quinta-feira, 31 de maio de 2012

Vida pequenina


Quando chorando as tristezas
Da cidade, ou caminhando
Em contato com ela,
Não esmorece teu riso.

Intimorata, alegre vais aceitando
Os convites, abraços, gozos, alimento,
E agradeces porque te dás,
E agradeces porque te pagam.

Sem esse contrato selado por gozos,
Por vezes unilaterais, vida talvez
Nem terias mais, ou não tens,
Desde quando suja de barro,
Criança ainda, te violaram o corpo
Dois rapazes que hoje te compram.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Declaro guerra


Nas velhas convenções da poesia
que matam a poesia do poema,
há de se construir o novo,
como o sol a despontar para todos
em cada verso,
ou como a manhã desprovida de sol
que entretanto brilha nos olhos.

Se as mortes, a mais-valia, o desemprego,
os bancos, os trustes, o capital
vêm nos alijar a poesia,
cada poema será um canto de guerra:

Cada silêncio, uma derrota.
Cada poema, uma trincheira.

domingo, 13 de maio de 2012

Entrevista


Ontem, dei uma entrevista a um grupo de estudantes da Universidade Federal Fluminense, sobre as cotas raciais. O STF julgou recentemente a validade das cotas, que foram aprovadas. Portanto, esse é um assunto que está em pauta na sociedade, e por isso resolvi publicar aqui no blog. Seuge abaixo a entrevista:

1)   Felipe, a universidade em que você estuda adota o sistema das cotas raciais?

Sim. A UERJ foi uma das primeiras universidades do Brasil a adotar o sistema de cotas raciais, há uma década.

2)   Você é estudante cotista?

Não.

3)    Você é contra ou a favor as cotas raciais no ensino superior?  E em relação às cotas sociais, qual é sua posição?

Sou a favor das cotas raciais, porque negar que pobreza no Brasil tem uma cor definida é fechar os olhos para a realidade histórica e social do nosso país. Em relação às cotas sociais, entendo como uma medida recuada, muito pouco ousada e, por isso, ineficaz.

4)    Para você, as cotas ferem o princípio da igualdade?

Não, simplesmente porque não há igualdade no Brasil. O que fere o princípio da igualdade é a ausência de negros na universidade.

5)    O mérito deveria ser o único critério usado para o ingresso no ensino superior?

Não. Compactuar com a meritocracia num país tão desigual é assinar atestado de fascista, na lógica da exclusão de muitos em benefício de poucos.

6)    Qual o papel da educação superior nessa história? Mais teórico, combatendo as ideias racistas, ou mais prático, através da criação de cotas raciais?

O papel da educação superior é colocar pessoas de todas as cores no espaço acadêmico, o que hoje não ocorre. Até porque, sendo bem realista, a educação superior nunca usou a teoria para combater ideias racistas. Vale lembrar a teoria do embranquecimento, a posição concretamente contrária da academia em relação à miscigenação. A exclusão de negros dos espaços de conhecimento e de poder, no Brasil, se deu também pela via institucional. O samba já foi perseguido, bem como a capoeira, o candomblé, que são hábitos, costumes e crenças de origem africana. Já houve a Lei da Vadiagem, aplicada exclusivamente a negros e mulatos. Tudo isso fortalecido por teorias racistas elaboradas dentro da academia.

7)    Como combater o racismo?

Há várias formas de se combater o racismo. É importante fazer isso no dia-a-dia, 24 horas por dia. O racismo se manifesta em piadas, em comentários maldosos. Essa é a forma individual de combate ao racismo. No entanto, é importante combatê-lo coletivamente, na adoção de políticas públicas que insiram os negros em locais que são historicamente fechados para eles, na elaboração de leis mais rígidas que punam racistas etc.

8)    Você acha que é possível uma ação afirmativa destituída da oposição racial (branco X negro)?

É possível, mas não eficaz. É preciso reconhecer a realidade brasileira, de escravidão, num primeiro momento, e de exclusão dos ex-escravos, após esse primeiro momento, para que se possa adotar políticas de ações afirmativas que sejam eficazes.

9)    Você acha que é necessário abolirmos a noção de raça do nosso meio?

A teoria da democracia racial é um mito, porque camufla o racismo e impede avanços e inviabiliza discussões. É necessário, sim, abolirmos a noção de raça. No entanto, se faz mais urgente a abolição das diferenças entre negros, brancos, pardos, índios etc.

10)    Você não acha que com a realização de reformas universais como uma reforma agrária, uma reforma política e uma reforma urbana não seria mais necessário fazer nenhuma política afirmativa diferencialista?

Eu acho, e tenho certeza. As cotas são necessárias na medida em que o racismo deixa a nossa sociedade em estado de saúde emergencial. E as cotas são medidas justamente emergenciais. Os negros não podem esperar mais para se qualificarem. Não podem esperar a reforma agrária. Não podem esperar reformas estruturais que democratizem a sociedade. As cotas não podem ter fim em si mesmas. São justas e paliativas.

11)    As desigualdades raciais tendem a desaparecer no curso das modernizações capitalistas?

Não. O racismo é uma das armas do capitalismo. Tudo que o capitalismo tem feito, até os dias de hoje, é se modernizar. E as desigualdades raciais não desapareceram, mas, pelo contrário, se intensificaram.

12)    Você já presenciou alguma demonstração de racismo ocasionada pela existência das cotas raciais?

Não presenciei, mas já fiquei sabendo. E a melhor resposta que cotistas podem dar são os dados do IPEA que afirmam que estudantes que se beneficiaram das cotas têm melhores notas na universidade. Qualquer demonstração de racismo é crime imprescritível e inafiançável, seja ela ocasionada pelas cotas, ou por qualquer outro motivo. A verdade é que não há justificativa para o racismo.

13)    O recenseamento da população em cinco categorias (branco, preto, pardo, amarelo e indígena) pode contribuir para o aumento do racismo?

Não. O recenseamento está assentado em bases concretas. Isso é muito importante para combater o racismo. O que aumenta o racismo é o silêncio que se faz sobre as diferenças, sejam elas sociais, regionais, ou raciais.

14)    Para você, o que é mais relevante nesse debate? A péssima educação de base, o elitismo das nossas universidades, as desigualdades reforçadas pela economia capitalista, ou o passado escravista?

Todos os 4 itens são de extrema importância. É importante não desmembrá-los, mas integrá-los, como o fazem as cotas.

sábado, 12 de maio de 2012

À mãe primeira

Ali estende seu corpo
Extenso como um rio,
Dessangrado,
No leito por onde
Passam todos, indiferentes
Aos sonhos que ainda
Por ali pairam,
Que ainda há pouco foram sonhados.

Traz consigo sua fé
Extensa como a terceira margem do rio,
Dessangrada,
E nas costas carrega a marca
Da escravidão.

Odé, seu pai, caçador
E perseguido como ele,
Com seu arco, sua flecha e sua dança
Lhe abre os caminhos nos perigos da madrugada.

O negro sorri, seu sorriso cobre a cidade,
E se espraia a bondade
De sua sede de redenção.

domingo, 6 de maio de 2012

Conclusões

Hoje percebi que seus olhos brilharam mais do que de costume, enquanto eu falava do seu corpo despido, que mais parecia um poema. Às vezes penso que a vida poderia parar em momentos assim, embora saiba que o futuro diverge. Há muito a ser feito, por mim, por nós, por todos. Vi isso no brilho dos seus olhos, vejo isso quando penso no futuro.