quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Amor em iorubá



Teus lábios de iaô,
quando beijam,
têm o som do tambor
que ressoa liberdade.
O teu corpo de iaô
tem doçura, tem sabor,
o efeito de um bori
que traz felicidade.

No passado,
uns lábios de sacrilégio
tocaram meu deus-menino,
deus-profano,
espalhando pecado
em território de amor.

Hoje, no teu corpo ou no atabaque,
com a perícia de um ogan,
batuco, dedilho,
proclamo a liberdade.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Nenhum desatino



Nenhum desatino,
a mão no umbigo,
na iminência de colher
a flor com seu néctar
em líquido branco e espesso.

Nenhum desatino,
o coração manco,
pé direito, tóc,
pé esquerdo, nada se ouve,
mesmo a correr, tóc
e cessou.

Nenhum desatino,
exceto quando a solidão,
do corpo ou da alma,
se faz presente,
infortúnio vencido.

Nenhum desatino,
se o coração repleto,
ou corpo submerso em gozo,
ou ambos, talvez,
expulsam o frio.

Nenhum desatino.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Por fim



Pra você
que consumiu meu amor
em seu fel,
não vou esbravejar vinganças,
tampouco vou clamar
voltas tão tristes.

Porque depois de tanto gozar
e fazer gozar,
dormir de mãos dadas
ou levantar-se, vestir-se
de roupas e das ruas,
em certos casos,
não se nota a diferença.

Provando que não te levo
mais no sexo
e sim na memória barata,
te escrevo este poema
recordando os sabores
das três mulheres da semana passada
nas quais te busquei
pela última vez.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Nada



Sei,
sem no entanto me despedaçar,
que de tua alegria
não concorri com nada além
do que um amor desmesurado,
espraiado,
amor que percorreu quilômetros
e pernas abertas
e não silenciou um só instante.
Quando cansado, redivivo em teu sorriso,
seguiu vivendo, jovem
como a ternura cotidiana.

Sei
que fui nada da tua euforia,
nulo em tua felicidade,
o todo de tua desilusão.

Troca justa, de fato,
e, pés descalços
em dança cativa,
assim viver.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Se a tua alegria



Se a tua alegria
é uma merda concreta
que não encerra poesia alguma,
não vale um sorriso.

Se a tua alegria,
essa merda concreta,
é sem voz e verdade e mundo externo,
então talvez uma antropofagia
disfarçada de um grito subalterno
passe pela tua porta,
invada por entre as tuas pernas,
te faça gozar
e, por fim,
te faça alegre e humana.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Pedido



Teus olhos
estreitos
caminham
ou pairam
por mim,
talvez?

Percorrem
toda a dimensão do infinito,
e tu danças,
dancemos,
então,
como sempre,
amor.

Não é só de infelicidade
que se faz a vida,
mostremos,
então,
que estamos certos,
um beijo
que cala
as súplicas,
amor.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Favela, meu coração



Abaixo da linha dos olhos
desta parte do burgo,
à parte, deita-se a cidade
colorida de raios solares.

Deitada aos pés deste morro,
como uma criança a dormir,
inofensiva, assim se apresenta.
No entanto, na abstrata luta de classes,
ostenta seu luxo e sua raiva
contra esse gigante chamado Favela,
elevado em sua letargia,
vestindo a máscara da inferioridade
que lhe pregaram no rosto.

Sabe-se que lá embaixo
fazem silêncio e, quando falam,
não é mais do que verborragia,
distração vazia, para que esse gigante
não acorde – eis o pavor!

Pois sabem
que a favela é um dragão
gigante e temível, que dorme ainda,
que pena,
que pena!

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Zumbi



Pudesse eu ter escolhido
No mais velho quilombo
Teria nascido.

E se um dia Zumbi me olhasse,
Ou se suas armas eu empunhasse,
Mais forte eu teria sido.

Eu nasci ainda na senzala,
Onde a língua que se fala
Ai, é só gemido!

Mas cresci na favela,
E meu samba, meu candomblé
Foram duramente perseguidos.

Zumbi, a cada manhã que acordo,
Ao meu lado, há uma dúzia de feridos.
Amanhã, se não for eu o atingido,
Zumbi, ainda terei  forças para lutar.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Rosa mulher



Rosa de sol, rosa de prazer, rosa mulher.
O vento que passa dobrando as flores
Não te derruba no entanto.

Também o vento que passa
E derruba as folhas não te joga
Ao chão, talvez tapete para enfeitar
Teu caminhar.

Se rosa, sem movimentos, com pólen,
Se mulher, com vida, sem pétalas,
Se rosa, sem espinhos, com primavera,
Se mulher, com olhos, sem mal-me-quer,
Rosa de sol, rosa de prazer, rosa mulher.