domingo, 30 de janeiro de 2011

Florescendo a cidade

Tua mão, ao tocar-me,
Abriu em meu corpo uma flor
Túrgida. O néctar do meu desejo
Propagou-se, alimentou tuas entranhas
E, ao despontar da lua, constatei
A magnitude que germinava dos teus beijos.

Então toda a minha vida tornou-se relva:
Por onde eu caminhava, a fragrância da tua rosa
Fazia brotar novas flores, que eram partes de ti:
Eras o epicentro do florescimento natural
Que se emaranhava pela América, e cada centímetro
De solo infértil viu-se florescido desde então,
Como terra que produz e ama e cria,
A mais autêntica terra frutífera.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Cuba

Sobre o teu chão, airosa ilha,
Floresce a liberdade do povo e o pão,
Nessas terras onde todos plantarão,
Terras generosas para com filhos e filhas,
Nesse solo onde florescem sorrisos.

De Sierra Maestra à Santa Clara,
As sementes de tua luta germinaram;
Teu triunfo foi edificado quando marcharam,
Com os demais camaradas, Fidel, Cienfuegos, Raul e Che Guevara.

O legado de teu sangue derramado, Cuba,
Brilha e vive e se fortifica na América Latina.
Em cada rosto de um filho, teu futuro radioso se ilumina;
Labutai, cubanos! É de vossa responsabilidade que a pátria suba,
Pois sabeis, camaradas, que a Revolução perdura
E não quebrantará jamais!

E quantos outros não viram a conquista?
Nas frontes destes encontra-se agora
O reflexo da aurora,
Da noite que é manhã em cada noite socialista.

A luta segue firme, irmãos de classe!
Pelo comunismo derramais vosso sangue,
Que lavou as ruas infestadas
De atrocidades do tirano
E encarniçado inimigo do Proletariado.

Cada guerreiro insepulto ganha agora
A voz do meu poema.
Sois, cubanos, talvez,
O derradeiro farol de liberdade e resistência.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Quando amor incide

És o epicentro da boa-nova,
És a estrela a galopar em cervo errante,
Cortando afluentes, transpondo os limites
Do espaço sideral, desembocando,
Por fim, em meu coração.

Percorrendo tal itinerário, cálidos
Lábios ofertaram-me tempestade de dádivas:
Sitiei-me, submergi, emergi e construí
Na fortaleza a ocasião propícia
Para viver submerso na fenda que me abre
Caminho para o regozijo e o amor compartilhados.

Assim, sou residente do teu espaço preenchido,
À solidão que te compunha dei novas ânsias,
Compareci em massa e metafísica no teu pensamento,
E na tua inexorável realidade me fiz amante.

Somei inúmeras noites insones:
Nas horas mortas, vivi em ti e para ti;
Senti a eternidade pairar sobre mim durante a glória:
Cada átimo em ti é um século roubado à perenidade.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Assim declaro o meu amor

Rumando para as quimeras, concebi-te
Como quem faz poesia:
Nos teus olhos, o lirismo de tudo é ainda maior,
As palavras do meu poema ganham a vida que lhes idealizei.

Mas ainda assim é frágil
A matéria destes versos pretensiosos,
Tais como são: inscritos à brasa no teu corpo,
Nas linhas incandescentes do teu umbigo altivo.

São o dia, meus beijos e a poesia propriedades
Do teu latifúndio interminável,
Propriedades de tua alma telúrica e lasciva.
Somente nos teus lábios celebra-se minha literatura:
Declamo-os ao sol ao beijar-te...

Os meus versos são as tuas artérias,
São os teus seios a minha caligrafia,
E só a ti os consagro como
Consagraria o sangue devoto. Só a ti devolvo
O amor presente e vindouro em minha poesia.

Cada estrofe, bem-amada, é uma curva
Interminável do teu corpo fecundo.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

O ser

Era uma noite sem luar. Na calçada, uns cães mendigos ladravam à minha passada. Uma aglomeração cercava algo; acerquei-me e constatei que o defunto que jazia no chão era um companheiro dos conluios sobre a revolução socialista que finalmente emanciparia o povo. “Porra, a revolução ainda nem começou e já perdemos um de seus comandantes.”, pensei. Morrera subitamente enquanto fumava tranquilamente seu cigarro, identificando na fumaça o transcurso livre do povo sem os grilhões da escravidão atual, após a tomada do poder pelo proletariado.
Um cidadão aproximou-se de mim, curioso, resmungando.
-Sujeito bom.
-Sim. Filho de Odé – repliquei.
-Filho de Deus – treplicou o cidadão, e se afastou, ofendido.
Pois sim, cidadão. Filho de Odé, caçador; camarada muito prezado por Exu, malandro, chapéu caído sobre os olhos. Exu gosta de festas, de confusão, entrega-se à balbúrdia e só sai quando vê tudo findado. Notívago, conhece os meandros da noite misteriosa. Exu é amigo do finado, que mantém relações estreitas com a revolução, que por sua vez é muito apreciada por Iansã, guerreira. Exu veio buscar a alma do descarnado para se acabarem nas orgias da noite carioca.
Foi-se o cidadão. E eu fiquei só na aglomeração, vendo que a morte pode ser gloriosa, mas o ato de morrer é ridículo: não se vê o choro dos órfãos, da viúva, não se pode consolá-los; olhando sem enxergar, até que um empedernido qualquer lhe feche os olhos e o impeça de olhar; sendo alvo de piedade ou, quando muito, de pilhérias sobre sua feia fisionomia intumescida e molhada pelos prantos dos poucos que o amaram na vida – se é que alguém o amou de verdade. Morrer é vergonhoso!
“Agora que morreu, de que adianta ser amigo?”, pensei, e segui meu rumo. Na verdade, não tinha um rumo, procurava apenas por uma porta aberta de bar, um novo camarada para tramar contra o governo de direita que não fora eleito democraticamente, um governo golpista e reacionário. Não encontrando, sentei-me na beira da praia, num ponto onde a onda, arrastando-se, tocava-me os pés, purificava-me a alma. Fui feliz nesse momento, e a brisa da madrugada trouxe consigo lembranças que julgava adormecidas até então, mas que se espalharam na cidade, ganharam o céu do Rio de Janeiro, e posicionou-se entre as estrelas a mulher a qual amei por tantos anos.
De súbito, a lua surgiu.
Seu nome é Madalena. Madalena punha a alma no sexo, e, quando eu precisava fazer um esforço desmedido constituído de carícias e palavras para apossar-me de sua carne, de seu corpo e de sua genitália, sentia-me igualmente apossado de sua alma, e levitava para junto das aves que dizem aos amantes em seus cânticos. Em tais momentos, absorvia a eternidade em longas tragadas, enquanto, no olhar de Madalena, eu via a lua. Era claro: ela também se encontrava perdida entre os astros.
Amar é sentir dor. Ali, sentado na areia, acomodado no leito azul do mar, eu constatei: não há amor indolor. Elementar. Queria alguém para conversar, para expor essa minha tese, aliviar o peito afogado em lágrimas. Amor é dor porque um amante somente não se basta. É preciso penetrar no outro ser, fazer dele um novo junto com o primeiro: ser uma carne, um coração, uma alma ramificada pelas vísceras em comum. O amor une, mas não funde. Os amantes que conseguem se fundir são plenos. E raros.
Inconscientemente, Madalena sabia disso. Tacitamente, sua consciência foi introduzindo essa ideia em seu peito, até que percebi: quanto mais Madalena me amava, mais infeliz se tornava. Ela queria ser parte de mim, ser o todo da minha felicidade.
As lágrimas que rolavam pela minha fronte ficavam depositadas na areia, misturavam-se às ondas, que as levavam consigo. Fundiam-se. Então concluí: as lágrimas e as ondas se amam; fundem-se porque se amam integralmente. Se eu seguisse aquele rastro, deparar-me-ia com o amor pleno e desejado por mim e Madalena, que também já chorara na beira do mar. Eu sabia, ela chorara. Não podia deixar de chorar. Sabia porque vi, e contemplei essa cena com os olhos do coração.
Então senti uma dor profunda dilacerar-me. Era como se as ondas levassem parte de mim, o meu amor e, portanto, Madalena. Pois, naquele momento, nossas lágrimas se juntaram, e com as ondas formavam uma partícula indivisível: o amor. O amor que tanto idealizei em vida; o amor que encontrei na morte. O único pensamento que podia deter-me era o seguinte: a revolução pendente perderia dois dos seus comandantes num só dia. Mas uma nova chama devolveu-me a coragem: a revolução é popular, e eu sempre acreditei na força do povo. Confiei a missão da organização para os mais novos. E fui encontrar o meu amor nas profundezas do oceano.
Sob o meu corpo, o leito azul do mar, límpido, convidativo, lindo, o depósito da minha paixão. Acima, o céu estrelado e a lua de prata que se refletiam nos meus olhos e no mar. Deixei-me ir. Não tive apenas lágrimas borrifando-me a face sem vida. Não pude secar o pranto de uma viúva, mas sorvi as lágrimas na face da mulher que amei.