segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O amor-sorriso

Amor, teu sorriso tão largo
É para acolher o sangue
Que porventura minha vida
Derrama, nas batalhas que amiúde
Empreendemos contra o sofrimento
Cotidiano.

Amor, em teu sorriso fenecem
Minhas dores, e em teu sorriso
Renasço, qual o sol que cobre
A alvorada e te ilumina,
E em teu sorriso montarei abrigo,
Bem como em teus seios,
O coração, a rosa e a esperança
Deste mundo.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Carta para as mulheres que tiveram relações sentimentais comigo - onde se revela o meu lado humanamente cruel.

Não endereço esta carta às mulheres que usufruíram do que tenho de bom, em troca de um sexo bem feito, sem maiores perspectivas. Dirijo-me àquelas que amei e que me amaram, do fundo do coração, e que projetaram algum futuro comigo.
Primeiramente, gostaria de dizer que todas vocês são muito especiais. Enquanto durou o amor, – e em alguns casos mesmo depois – vocês me proporcionaram o melhor que tinham e, enquanto isso, fui barganhando muita coisa, para não ficar em débito com os corações que me ofertaram sentimentos sinceros. O fato de todas vocês serem especiais não lhes tira o mérito, tampouco me dá a qualidade de cafajeste. Vocês são especiais porque me amaram, e, para mim, não há nobreza maior do que essa.
Vejo outro problema muito sério: algumas de vocês confundiram admiração com amor. Admiração pelo simples fato de não ser eu um cara machista, como muitos outros, subordinados pela sociedade patriarcal. O fato é: todas as vezes em que fui um fiel ouvinte, – mesmo das suas históricas eróticas – eu estava apenas respeitando uma qualidade inerente a mim. Não tive como objetivo central seduzi-las ou impressioná-las, apenas quis estender uma mão amiga, despida de intenções ocultas. O que se seguia, então, era uma série de acontecimentos que eu não previa.
Acho que eu voltaria atrás e faria tudo outra vez. Quando lembro das vezes em que o sexo era consequência de uma intimidade conquistada árdua e gradativamente, ou dos momentos em que um sorriso encobria uma nuvem de melancolia, eu vejo que tudo estava em seu devido lugar. Se alguma atitude ou palavra pareceu inconveniente, também a culpa é da ocasião, que exigiu tais atos. Eu não sei lidar com o silêncio.
Outra coisa é que eu ainda amo vocês, todas vocês. Cada uma faz parte da minha história, e negá-las seria como negar a mim mesmo. O que eu sou hoje é fruto do que fui no passado, e quando eu estava com qualquer uma de vocês, eu não fui sozinho, eu me doei e depositei o que tinha de melhor em suas vidas. Portanto, as relações mútuas de amor devem permanecer no peito, ocupando lugar de destaque, sem impedir novas oportunidades.
Sim, novas oportunidades surgirão, novos amores brotarão no meu peito. Assim como vocês, que hoje amam outras pessoas, fazem planos com outras pessoas. O que eu sei é que nenhuma que realmente me amou poderá me esquecer um dia, mesmo que divirja de tudo que eu disse acima. E a razão pela qual isso acontece é justamente a minha forma de amar desmedidamente, por vezes me violentando para cumprir um simples anseio de vocês.
Eu tenho muitos defeitos, e o maior deles é ter tanto medo da solidão. Isso me torna vulnerável e às vezes falacioso, ainda que inconscientemente. E sempre que enganei alguém, logo em seguida empreendi um esforço imensurável para transformar em verdade absoluta.
Enfim, tenho sido um ser desprezível. Não me liguem mais.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Sobre todas as coisas

Sobre a noite de um negro profundo,
Ainda mais negra em meu peito,
Lançarei meu pensamento
Pelas ruas vazias de tua presença,
Bem como agora me encontro.

Amei o teu silêncio,
Porém as palavras que decolavam
De teus lábios bem-amados
E pousavam em meu coração
Eram, para mim, o despontar
De uma primavera
Após a intempérie.

E o teu riso, fio cristalino
Em tua fronte adorada,
Era um novo mundo a ser desbravado,
Como os teus seios que me remetem
Aos pampas de minha América.

Talvez cem astros se cruzem
Neste céu, nesta noite,
E sob eles levantarei,
Vitorioso, o teu estandarte.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Condenado

 
Os grilhões que são teus lábios,
Em meu corpo,
Condenam-me ao martírio
De amar o algoz.

Condenado, então,
Vejo uma flor desabrochar na noite,
E ela não é senão a paloma
Desenhada no teu ventre.

Eu,
Condenado,
      Suplico
A ti que tanto
Amo:
Prenda-me, amor,
Por toda a minha vida
Em teu paraíso,
Escraviza-me, flor do mundo.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

A minha estrela

À estrela que não foi contemplada,
Àquela que, pálida, esconde-se
Dentre as nuvens, a ela declamarei
Meus versos.

Ó estrelas, vós outras que já servistes
Para alumiar a mente doutros poetas,
Calai-vos: esta noite
Apenas eu,
                   Minha cálida amante,
E aquela triste estrela que ainda não brilha,
Somente nós seremos testemunhas
Do maior dos amores da Terra.

Ó estrela, esta a qual posso tocar,
Essa límpida luz que dos teus olhos
Parte para iluminar o mundo,
Com terrestre magnitude,
Não é o bastante para irradiar
Toda a alegria pulsante em meu peito
Já tão flagelado.

Portanto, minha doce estrela pequenina,
Não esmoreças teu brilho jamais,
Porque então a noite se quedaria
Frágil e apagada
Na absoluta treva do inexorável amanhã.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Meu grito

Sob a tua sombra,
Depositarei beijos
Que reverberarão em teus
Sonhos, e então tuas noites
Terão a luz incandescente do meu amor.

Recordarás, portanto, que quando
O vento sopra, não é lida vã do universo:
O sopro do vento é uma extensão
Do meu amor, a fim de espalhar,
Como um grito louco, o que meus olhos
Já te disseram: amor, te amo, te quero,
Agora tão mais do que antes.

E se eu queimar, com lábios sedentos,
A tua boca, é para que saibas que este amor
É fogo, para que doravante não sintas frio
Nem solidão, jamais!

E, ainda, se a tempestade resolver
Desabar, tu deves sorrir,
Para que assim, amor,
O sol se duplique
E prevaleça.

sábado, 15 de outubro de 2011

João Amazonas

João,
Quantas dores passaram
Por teu nome,
Quantas esperanças perpassam ainda!

Nas adversidades, quando o povo
Não vislumbrava aurora,
O teu nome ressurgiu
Do seio dos sindicatos,
Da mata fechada e redentora do Araguaia,
Dos comitês partidários,
Das ruas ensangüentadas, e no discurso
Veemente contra as injustiças,
A tua voz se fez límpida,
Como a manhã do povo que tu sonharas.

O teu nome, João Amazonas, é fogo
Contra a indiferença, é ameaça
Ao neoliberalismo,
É inimigo ferrenho da burguesia,
O teu nome,
João Amazonas,
É a força e a viabilização do sonho.

João, quando empunhaste o fuzil,
Via-se em teus olhos a alegria que te causava
A luta mortal. Por isso, não te abateste,
Tampouco te deixaste abater
Em conflito desigual:
Reorganizaste o instrumento
De emancipação do Proletariado,
Com olhos despidos de maldade
E de medo, e no entanto ainda
Com maior paixão revolucionária.

E desde então
O futuro pode ser construído
Pelas mãos do povo,
Estas mesmas mãos que te saúdam,
Camarada!

domingo, 25 de setembro de 2011

A vida sorri

Ai, amor, cada lágrima
Que desce por teu rosto,
Ai, cada lágrima que sai
De teu peito
Deságua
No meu,
Como um rio que, fustigado
Pela vida, desenvolve seu lamento,
E geme: portanto, amada,
Quando gotejar friamente
O teu coração, ai, quando chorares,
Entrega-me as tuas dores,
Que, em minhas mãos, elas se tornarão
Potentes júbilos, e feliz caminharás
Comigo, edificador de um rio
Que corre destemido
Para lavar as desventuras
De tua vida,
Que também são minhas.

sábado, 3 de setembro de 2011

Tu, que já não me amas

Tu, que já não me amas,
Nunca foste sangrada,
Porém já foste beijada
Pela boca que desdenha.

Tu, que já não me amas,
Carregarás todo um exército
De paixões, que, acumuladas,
Não me superarão, no entanto.

Tu, que já não me amas,
Não chorarás jamais:
Nem um dos teus,
Após o adeus,
Depositará ternura em tua saudade.

Tu, que já não me amas,
Amarás, sim, amarás:
Amarás com tanta intensidade
O que já amaste um dia,
A vida, a força, a poesia,
Que de mim transmigraram
Somente para ti.

Tu, que já não me amas mais,
Doravante, de que te alimentarás?
Porém, se ainda puderes amar,
Ama em ti a dor pungente
De minha lembrança.

Tu já não me amas e não amas,
E eu não te amo, portanto...

Tu, que já não me amas,
Verás a noite correr,
Sem que amanheça a tua vida.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Poema escrito na virilha da mulher da noite passada

A rosa de minha concupiscência
Precipitou-se sobre o teu corpo
Despido, bem como os teus olhos
Desnudos, impávidos,
Flor do mundo.

Minhas mãos, em formato de seios,
Abrigam, enrijecem os dons palpáveis
De tua soberania e, fortalecido,
Levo-os aos lábios, sedento, e redivivo
Labuto neste magno ofício,
Nesta excelsa infinitude de bens.

Por entre as tuas pernas percorre
Um arrepio, um suspiro corta a noite
Já tão distante e alheia, e em meio
A tanto movimento, o derradeiro
Ato: as estrelas se desmancham
Em líquido provindo das entranhas
Compartilhadas do desejo.

domingo, 14 de agosto de 2011

Concessões

Se de júbilo, ao invés de ausência,
O infinito se compusesse,
Ao invés de guerras, acrescida de fome, ou se
              O capital
Cobrisse o desespero, o desemprego,
O tráfico, a solidão, talvez nossas
Crianças não chorassem
                               Sangue.

Se o capitalismo
         Tacanho
Lançasse suas garras, e, logo em seguida,
Fosse lançado
                          Para longe,
Triunfaria, neste dia, a poesia,
Escrita pelas mãos de nossas crianças,
Que, entretanto, não a vislumbram,
Tampouco ao futuro, devido
Aos olhos embaçados pelo ópio
      - ou pela miséria -
Que cotidianamente lhes são impostos,
Olhos injetados
        De lágrimas
                     De sangue.

Impostos
- porque sentir fome não é direito de ninguém,
Portanto, há de se pagar preços exorbitantes
Pela miséria:
Um preço pago amiúde
Pelo sangue
derramado
do nosso
          Amanhã.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Das ininterrupções

Ergo sobre a cabeça dolente
A marca dos teus olhos, como um estandarte,
E avanço, bravio, pelas horas da noite,
E avanço, bravio, a chamar-te.

Fulgem, como duas estrelas errantes,
Teus olhos repletos de meandros
Da beleza cristalina, negros da noite,
Teus olhos, sim, estrelados,
Teus olhos, não, mas tu,
Teus olhos, talvez, tão distantes,
Porém tão próximos, arraigados,
Florescidos nos meus, na busca
Incessante,
Inevitável,
Pois também toda lua
É deflorada por uma
Renovada
Manhã.

domingo, 31 de julho de 2011

Das políticas de ação afirmativa: Cotas.

Eu, em minha inocência quase tenra, acreditava que o debate sobre as cotas raciais já estivesse superado. Ledo engano: eis que se ergue, de dentro da universidade na qual estudo, um brado raivoso contra as políticas de ação afirmativa e, por conseguinte, contra as pessoas que delas se beneficiam.
Qualquer análise séria que se faça sobre as cotas deve levar em consideração os aspectos históricos que puseram em condição de antagonistas as diferentes classes sociais – e os indivíduos que a compõem. Como é dito e repetido, o país viveu trezentos anos assolado pela escravidão, período no qual os negros eram tratados como lixo, e tiveram de esquecer seus nomes, sua cultura, sua crença. Desnecessário estender esse tópico, por repetitivo e de conhecimento de todos, embora tenha que lembrar para alguns, que, por esquecimento ou astúcia, não o levam em consideração.
Passado algum tempo, surge uma esperança, uma manhã na longa noite dos negros: a abolição da escravatura. Fachada, balela: a emancipação dos negros, para ser plena, deveria vir pelas mãos dos quilombos, pelas mãos de Zumbi e dos seus. A Lei Áurea decretou o fim da escravidão oficial no Brasil. Por oficial, aqui, entende-se política do Estado. Porém, os negros continuaram sem acesso à educação, às condições mais primitivas para uma vida digna. Além disso, a falta de contato com a nossa sociedade e nossa cultura era mais um agravante para o ambiente hostil que se instalara. Que fazer? Estes negros soltos pelas ruas, é preciso extirpá-los! Surgem, então, políticas públicas de combate direto aos negros e seus costumes, sua cultura, suas manifestações. Surgem as políticas de combate à liberdade do país e ao seu povo. Os negros à parte, à margem da sociedade.
Embranquecimento, sanitarização: entretanto, os negros resistiam. Lei da vadiagem, aplicada exclusivamente a negros e mulatos. Virulência, perseguição, tentativa de macular ou esconder um povo, uma cultura. No entanto, uma teoria merece atenção especial: a teoria da democracia racial, que não era uma política explicitamente racista, mas impossibilitava qualquer avanço na luta do movimento em favor dos negros; uma teoria segundo a qual, por sermos um país miscigenado, houve uma grande mistura de raças, e dificilmente exista alguém que não tenha um parente negro em sua árvore genealógica. Até aí, tudo bem, a miscigenação formou o povo brasileiro. Mas, a partir do momento em que se diz que temos uma democracia racial instalada neste país, chega-se à conclusão de que não temos racismo. E, se não temos racismo, não combatemos o racismo, obviamente. Então, a primeira questão que deve ser levantada, nesse quesito, é: a quem serve esse discurso de que temos uma democracia racial? Ora, parece-me claro que quem se beneficia com ele são as classes dominantes, aqueles que estão em posição privilegiada na sociedade e não estão dispostos a ver mudanças estruturais no país.
É preciso desconstruir certos mitos, propagados por pessoas que não medem esforços para desqualificar o discurso de quem defende as políticas de ações afirmativas. O primeiro mito é aquele que afirma que as cotas acirram as desigualdades e estabelecem a ideia deque os negros têm capacidade inferior. Bem, quem acirra as desigualdades: nós, que defendemos as cotas e promovemos uma política de inclusão, ou os que preferem calar o debate e naturalizar a ausência de negros nas universidades do país? As cotas são, sim, uma política de combate ao racismo, a partir do momento em que põe no ensino superior negros que vão, de dentro da academia, produzir questões relevantes ao povo negro e sua emancipação. Além disso, no bojo das cotas, vem outra questão muito importante: a descolonização do conhecimento, preso, desde remotas épocas, às pessoas de poder aquisitivo elevado, quase hereditário.
Outro argumento pífio utilizado pelos que não se beneficiam com as cotas e têm oportunidade de estudar nos melhores colégios de preparação é o seguinte: “é preciso melhorar a educação pública.” Sim, é consenso que a educação, do maternal ao ensino superior, deve receber maiores investimentos. Porém, isso leva dez anos, e o negro, jovem, não pode esperar esse tempo todo para entrar na faculdade. Ele precisa de qualificação agora, para que não pare em trabalhos que exigem pouco estudo, mas que não oferecem a mínima condição de uma vida digna, e que não respeitam leis trabalhistas. Ou, ainda pior: para não acabar no mundo do crime. Uma coisa, no entanto, é certa: as cotas não podem ter fim em si mesmas. É necessário discutir o investimento público no setor, a fim de elevá-lo. É fundamental pressionar o governo para aprovar duas medidas importantíssimas: o investimento de 10% do PIB na educação e a destinação de 50% do Fundo Social do Pré-Sal para esse setor, um projeto de autoria do senador Inácio Arruda, do PCdoB – CE.
Numa visão marxista, todo fato que se dá na sociedade deve ser analisado sob diversos aspectos. O histórico já foi abordado, bem como a necessidade de promover políticas de inclusão. Salientarei, agora, alguns exemplos e fatos que ocorrem pelo Brasil e pelo exterior, a fim de ilustrar como acontecem a discriminação e suas nuances.
A eleição do presidente Barack Obama representou um importante avanço para o movimento negro mundial. Por mais que se saiba que era um candidato que não se diferenciava dos governantes anteriores, que não adotava uma postura progressista, sua candidatura abriu espaço para discussões relevantes. Num país em que o problema do racismo é muito mais grave do que no Brasil, além de adotar posturas imperialistas e belicistas, a vitória de um presidente negro era uma esperança. No entanto, bastava uma análise mais aprofundada para perceber que não era isso, Obama não faria mudanças na estrutura do país. Porém, independente de pauta política, era importante para que os negros de todo o mundo vissem naquele homem negro, bem-sucedido e estudante da Universidade de Harvard, uma figura capaz de gerir a principal economia do planeta. Decorrido esse tempo, está provado que Obama manteve a linha política adotada por seus antecessores, inclusive a do último, G. W. Bush.
Não faz muito tempo que alguns movimentos sociais, entre os quais a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União dos Negros pela Igualdade (UNEGRO), promoveram uma pesquisa sobre as religiões de origem africana no Brasil. Uma coisa chama a atenção: constatou-se que as casas, os templos onde são realizados os ritos de louvor aos santos africanos ficam em locais distantes dos grandes centros, onde a violência atinge altíssimos graus, onde o saneamento básico é precário, o transporte público é de péssima qualidade e, o mais aterrador: onde a discriminação tem toda força. Foi testemunhada uma cena terrível, quase inacreditável: um culto de uma religião protestante em frente a um terreiro no qual era realizada uma sessão de candomblé; eram gritadas palavras ofensivas, eram excomungadas as pessoas que professavam a fé oriunda de África. E isso porque o Estado é laico, e todas as pessoas têm assegurado o direito de professarem sua fé...
Apenas 14% dos jovens brasileiros estão no ensino superior. Desse número, qual será a porcentagem que cabe aos negros? Mínima. O racismo é um problema sério no país. E quem se nega a discuti-lo acaba contribuindo para a sua permanência. A UERJ deve se orgulhar de ser pioneira na implantação do sistema de cotas no Brasil, ao invés de ser foco de gritos a favor da exclusão. Mas é importante colocar, também, a posição que diversas universidades brasileiras assumem sobre o tema. O caso Ari, até hoje, provoca arrepios. Ari, estudante da UnB, universidade mais elitista do país, foi reprovado em duas matérias, nas quais havia obtido excelentes notas, por ser afro-descendente, num programa de doutorado que, diga-se de passagem, nunca admitira um negro em toda a sua história.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Notas

Desde o primeiro instante em que te vi, tive certeza: era a poesia que chegava. No brilho dos olhos, no sorriso ofertado, na entrega convulsa, no andar misterioso, era a poesia que vinha ao meu encontro. Uma mulher incomparável. Olhar afirmativo, cabelo afirmando o orgulho de sua cor e dos seus, ternos pés que afirmam obstinação na caminhada, lábios que afirmam uma paixão indômita. Enfim, tantas afirmações para uma afirmação central: uma mulher fascinante, cuja beleza é corroborada por cada atitude, portadora da poesia lírica, satírica, erótica, épica. Uma mulher à altura de Addae Mbami e Omolara, loucos de amores um pelo outro, criações minhas para satisfazer o desejo de África. Doravante, essa mulher fantástica reforçará o comboio na estrada da minha vida.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Viver perene

Quero-te tanto e meu amor
Não é eterno. E, no entanto,
Amando-te sempre e tanto,
Para onde irá o amor que canto,
Que outrora fora pranto,
Quando não mais fecundar
Cada gota de meu sangue?

Não posso amar-te eternamente.
Não devo permitir que o tempo
Tenha mais força que este amor.
E no entanto amo-te tanto, amada,
Amo-te a ti quanto a mais nada,
E, sem este amor, como há de a vida seguir?

Pois que se este amor não é eterno
E uma vez findo, como seguirei sorrindo,
Como seguirei, como?
Todavia, ainda que não te ame como um dia,
Seguirei te amando ainda mais a partir de então.

domingo, 10 de julho de 2011

Estrelas análogas

E então, também seria o sol
Reverberação dos teus olhos,
O que há de mais cálido, essa
Majestade cosmopolita?
Seriam teus olhos gigantes dois
Planetas à parte das guerras, à parte
Da miséria, da mais-valia, fortaleza
Deste amor e nada além?

O que se esconde em teu olhar,
Que palavras nascidas em teu peito
Tornam-se silêncio? Que força é essa
Em teus olhos, capaz de calar,
Que causa espanto, posto que é sublime?

Tudo quanto há em tua fronte,
Teus cabelos como as asas
De um pássaro livre, teus lábios
Esculpidos em fogo, teu nariz
Que comunica com o ar o tempo
Inexorável, tudo, enfim, caminha me fazendo
Caminhar e explorar as terras de um amor
Perene e desbravado
Milimetricamente.

Para ser sincero comigo

Ontem, tarde da noite, quando as ruas se encontram vazias, eu chorei. Chorei porque estava numa dessas ruas vazias, longe da minha casa, sem companhia, só com algumas lembranças, uma dor no peito e umas conclusões. Enfiei as mãos nos bolsos, nem o cigarro estava comigo, chorei ainda mais. Preciso fazer algumas colocações.
Para começar, o carinho desmedido que deposito nas pessoas é em função de um relacionamento passado, que quase acabou comigo e, até hoje, me deixa frustrado. Como fui mesquinho, como fui infantil! Hoje sou o oposto. Busco entender as pessoas e por isso, talvez, as mulheres enxergam em mim qualquer fonte de consolo, de compreensão, de visão não-machista das coisas. É por isso que digo a todas que vão: vocês nunca encontrarão alguém como eu, com a minha história e com o meu querer.
Outra verdade é que nunca dei sorte no amor. Uma verdade mais inexorável ainda é que sempre o buscarei. Para isso caminho.
Estou em débito. Não, não estou devendo nada a ninguém. Estou devendo a mim. Sempre ultrapasso meu limite, oferto mais do que posso, não sou recompensado como acho que deveria. Mas também não mudarei isso. É a minha principal característica, é o meu diferencial, só aceito o amor se for visceral.
E disse Che Guevara: “Derrota após derrota até a vitória final.”

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Amanhã

Amanhã, quando eu acordar, vou olhar mais uma vez o sol pela janela. Se estiver chovendo, contemplarei a chuva com o mesmo prazer. Vou beijar a face da minha mãe, desejar-lhe bom dia, dizer palavras de camaradagem ao meu irmão. Não vou lamentar pela morte do meu pai, isso eu sempre faço. Vou, pelo contrário, agradecer-lhe por ser a pessoa que me guia até hoje, pois meu maior medo é morrer sem lhe dar um motivo de orgulho. Você vai se orgulhar de mim, pai!
Amanhã de manhã eu vou sorrir, depois de um longo período sem encontrar motivo para realizar tal ação. Vou consultar meus livros, vasculhar página por página, até encontrar quem se levantou depois de uma dura queda. Fugirei alucinadamente de personagens como Werther, ou Florentino Ariza. Vou anotar numa folha de papel palavras de amigos, de quem caminha de fato junto de mim, e vou carregar para sempre essas palavras como um escudo a tudo que possa me fazer mal, contra qualquer infortúnio ou percalço da vida. Eu tenho amigos que projetam em mim qualquer esperança, não posso decepcioná-los. Hoje eu posso dizer: faço tudo pelos amigos que restaram, que não desistiram de mim.
Amanhã eu tentarei ser o que era antes. Um rapaz sorridente, otimista, disposto a enfrentar dificuldades de qualquer grandeza. Tentarei ser o Felipe comovido e comovente de sempre. Eu sei que posso, eu sempre fui assim. Vou escolher um amigo aleatoriamente e perguntar-lhe se faço alguma diferença em sua vida, se ele daria a sua para salvar a minha. Tenho sido relapso em alguns aspectos, mas pretendo melhorar a partir de amanhã. Não vou pedir desculpa. Mostrarei que o simples recomeço floresce no coração de todos os envolvidos.
Amanhã eu deixarei de dar tanto valor a quem não merece, a quem não me estendeu a mão quando precisei. Não é vingança, é apenas uma constatação: amigo é quem me constrói. Amanhã ligarei para todos os camaradas do Partido, os que acordam cedo na chuva e militam comigo, os camaradas com os quais compartilho os mesmos ideais, os que sentem comigo a beleza do nosso povo. Vou me dedicar mais ao Movimento Estudantil, levar o CUCA da UNE para a UERJ, implantar lá os núcleos de combate à intolerância, estou cheio de ideias legais para o próximo semestre.
Amanhã refletirei bastante, chegarei à conclusão do motivo pelo qual fui um merda nesses dias, para que assim possa evitar de ser novamente. Acho que sei como fazer.
Amanhã viverei a poesia mais uma vez, porque, para mim, ela não é apenas a produção. Poesia é sentir, é fazer uma troca com o meio e, dessa forma, a produção é uma culminância. Ser poeta é transformar tudo em poesia dentro da alma. Esse é o ofício. Amanhã realizarei.

O combate imprescindível

De silêncio em silêncio deixei
Florir o meu bramido,
Fiz renascer o momento no qual
O vazio foi soberano,
Combati o vácuo com tudo
De que dispunha, e a poesia
Que evola das coisas constantemente,
Juntei-a às flores de minhas mãos,
E investimos impetuosamente contra
A ausência.

Garimpar as palavras do silêncio
- e também de um poema -
É, de fato, árduo ofício.
As palavras escapam,
Só resta o desejo de escavar
A alma, perscrutar o âmago,
Tornar o momento fértil,
E por meio dele edificar as vozes
Que vão desaguar no coração.

Tudo isto só para dizer, ainda
Uma vez: só o amor, amada, paga a pena
Desta vida.



Esse poema já foi publicado. Postei mais uma vez porque preciso senti-lo gritar mais uma vez dentro de mim.

terça-feira, 5 de julho de 2011

O verde

Não consumirá jamais este amor que me alimenta.
Porém, como chama que é, consumirá, queimará,
Consumirás, queimarás cada fluido de sangue
Que me dá vida. Porque antes de tudo és vida.

Como força sobrenatural, uma luz me envolve.
Repilo. Não me toca nada senão teu olhar!
Não me abraça harmonia alguma, felicidade alguma
Que não me seja oferecida por tuas mãos.
E isso é tudo.

Agora,
Meu
Amor,
Nada
Dirá
Adeus.

Nada dirá adeus, pois os teus olhos são
O princípio de tudo. Antes de ti, nada havia
Senão dois olhos que já te esperavam,
E a Criação pôde enfim realizar seu trabalho.
Trabalho este que tu iniciaste, quando deste
Vida ao sol e a mim.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Carta aberta aos vereadores de Niterói

Senhoras e Senhores,
A União Estadual dos Estudantes do Rio de Janeiro, UEE-RJ, se faz presente nesta Audiência Pública para reivindicar junto aos vereadores desta cidade a importante pauta da Meia-Passagem para os estudantes universitários.
Este benefício é um importante instrumento de assistência e permanência dos estudantes. A cidade de Niterói concentra grande parte dos universitários do nosso Estado, sendo o segundo maior pólo de Universidades. Este fato é muito saudável para Niterói já que esses jovens incrementam ainda mais na economia da cidade. Porém, como a vida universitária não é barata, muitos deixam seus estudos por não terem dinheiro para se manterem. Além da alimentação, gastos com livros, ainda há o dinheiro do transporte público que absorve boa parte do orçamento desse estudante.
A UEE-RJ, entidade que luta em defesa dos estudantes, tem conquistado em diversas cidades a Meia-Passagem. Hoje ela já é uma realidade em Volta Redonda, Nova Friburgo, Petrópolis e, conquistada mais recentemente para alunos "prounistas" e cotistas, na cidade do Rio de Janeiro. Acreditamos que para a realidade de Niterói este benefício deve ser para todos os estudantes universitários, sejam eles de pública ou particular. Além de garantir a permanência dos estudantes, a aprovação da Meia-Passagem em Niterói mostrará que a cidade está em sintonia com o resto do país, no qual em 16 capitais - como São Paulo, Manaus, Cuiabá, Vitória - e em 100 cidades já há esse benefício.
A isenção da tarifa do ISS, ou qualquer instrumento que a torna uma contribuição meramente simbólica, só deve ser instituída se houver benefícios para a comunidade de Niterói. Além do Bilhete Único, deve ser garantido o desconto da Meia-Passagem para os universitários e, igualmente, o passe-livre irrestrito aos idosos, deficientes físicos e estudantes secundaristas. Caso contrário, essa isenção só irá privilegiar poucos em detrimento de muitos outros interesses envolvidos neste caso. Por conta disso, pedimos atenção aos vereadores para a sociedade de Niterói.
Por fim, gostaríamos que fosse posto em debate e em discussão os Projetos de Lei n°690/2011 de autoria do vereador Waldeck Carneiro e também o Projeto de Lei n°144/2011 de autoria do vereador Leonardo Giordano, que tem como escopo a instituição deste benefício.
A UEE-RJ está disposta a conquistar a Meia-Passagem em todos os municípios do Rio de Janeiro, dando continuidade às sucessivas vitórias que estão ocorrendo em diversas cidades do nosso Estado.
Agradecemos a atenção de todos,
União Estadual dos Estudantes.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Por Addae Mbami, meu eu-lírico corrosivo

Camarada, tenho pensado numa coisa meio intrigante. Sei lá, essa noite longa – sim, três dias de noite, camarada, – está se tornando cruel, opressora. Não dá para sair do buraco, companheiro. E neste buraco não há vaginas, não há baseados, não há livros. A única poesia que tem é a que eu tenho que tirar de mim. Mas é um esforço do caralho, camarada, às vezes dói bastante, traz uma lembrança aterradora. Não quero mais ficar aqui, porra, será que é difícil de entender que estou descontrolado?
O quê? As coisas boas? Sim, tem um bocado de coisas boas em minha vida, mas todas elas são findáveis, deixam um gosto amargo na boca.
As paredes me apertam tanto, companheiro, esmagam minha garganta, grito, mas ninguém escuta. Parece-me impossível que não tenha ninguém aqui para abrir o coração e me deixar entrar ou, pelo menos, abrir as pernas e me deixar entrar também. Não há ninguém, camarada, e sozinho não é possível.
Camarada, se tivesse uma pistola cromada ao meu alcance, não sei, não. O que eu faria? Pensa bem, companheiro. Vinte anos de lutas e poucos avanços. Ser a vanguarda do proletariado não é fácil, Lênin deveria ter projetado isso. Não, porra, não é desse tipo de facilidade que eu falo. É preciso ter a mente forte, companheiro, e sozinho assim, como posso ser forte?
Esta noite, camarada, esta falta de tudo, toda a miséria que eu sei que há no mundo acabam comigo, me jogam cada vez mais para o fundo deste buraco terrível.
Não há corda que possa me tirar daqui, não há ninguém.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Ao desperdício

Escrevo este poema
Ébrio de desprezo
Pela mulher que passou
Sem sequer notar-me
Porque estava atrasada
Para ir ao trabalho.

Escrevo este poema
Para contemplar minha ignorância.
Dedico-o à mulher bonita,
Demasiadamente cheirando à empáfia,
Que não ficou com meu cheiro no corpo,
Posteriormente arrependida - sem o saber
- E seduzida pelo desconhecido.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Assim me falou o espectro do Comunismo

Há de consumir-te a misericórdia
Pelos oprimidos. Mas tu labutarás.
Há de ferir-te o pé que esmaga
A flor do povo.
Serás sol quando a noite infindável
Lançar seu véu sobre a consciência
Dos trabalhadores. E serás luz.
Atuarás na linha de frente,
Bravio, intimorato, e precipitar-te-ás
Contra quaisquer injustiças, pois és
Filho do mundo, és produto do meio
Social no qual estás inserido,
E, portanto, deves construí-lo dialeticamente.
Serás forte, pois teus braços não serão
Senão os braços das massas.
E serás poeta: a bandeira de tua poesia
Estará impregnada do vermelho
Passional de nossos ideais.
A foice e o martelo, a rosa, a espada
E a estrela em tuas mãos,
Camarada.

Rumores

Amor a ser vendido:
insídia perfídia solidão.

Amor a ser correspondido:
abrigo seguro da solidão.

Amor pelo amor:
a forma secreta concreta completa do desamor.

Amor não existe
senão em quem ama ou amou
com tudo confuso difuso, contudo,
profuso inconcluso
amou.

sábado, 21 de maio de 2011

O renascer

Da noite sem fim nascerá
Um ponto luminoso no horizonte,
Cuja desembocadura fará germinar,
Em meu coração, o sol que se estabelece
Nas pétalas desta luz que renasce mais forte,
Apenas a lua se torna saudade:
Esta luz, que tanto se assemelha
Ao sol, – entretanto lhe é superior – nada
Poderia ser senão os teus olhos recém-despertos.

sábado, 7 de maio de 2011

O combate imprescindível

De silêncio em silêncio deixei
Florir o meu bramido,
Fiz renascer o momento no qual
O vazio foi soberano,
Combati o vácuo com tudo
De que dispunha, e a poesia
Que evola das coisas constantemente,
Juntei-a às flores de minhas mãos,
E investimos impetuosamente contra
A ausência.

Garimpar as palavras do silêncio
- e também de um poema -
É, de fato, árduo ofício.
As palavras escapam,
Só resta o desejo de escavar
A alma, perscrutar o âmago,
Tornar o momento fértil,
E por meio dele edificar as vozes
Que vão desaguar no coração.

Tudo isto só para dizer, ainda
Uma vez: só o amor, amada, paga a pena
Desta vida.

sábado, 23 de abril de 2011

O amor desmedido

Pequenina mulher, infinita, porém,
Quando me tocas, quando me percorres
O peito, ensina-me o caminho da primavera
Desses olhos,
Dá-me o teu sangue que me leva ao coração,
Dá-me o orgulho de tua brasa nunca dantes
Vista com contemplação, ó amada,
Pois nada sou sozinho,
Tampouco és na multidão da qual
Estou à parte.

Cresces em meu peito,
Porque ganhas as dimensões de meu amor
Tempestuoso e desmesurado.
És tão pequenina quando te afastas,
Não posso ver-te...
No entanto, te ouço, te toco
E te amo sem piedade do meu corpo,
Por suportar, ainda que combalido, a tua ausência.

Gritas por mim, ou é apenas o vento,
Que vem, de chofre, lembrar-me tua voz
Onipresente?

E voltas junto ao vento.
E o vento retorna solitário.
Estás plena novamente, e para sempre.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

A Helenira

Helenira,
Não vês que estás sob mira,
Que a morte veloz avança?
Helenira,
Mesmo caída atiras,
Helenira,
Em teu grito há vingança!

Helenira,
Tua ternura e tua ira,
Onde o rio se estira,
São rumores de esperança.
Helenira,
Teu sorriso de bonança,
Teu olhar de confiança,
Helenira...
Eras quase uma criança!

Helenira,
Eu empunho tua bandeira,
Nesta terra brasileira,
Nesse leito onde te estiras.
Helenira,
Minha aguerrida companheira,
Minha terna guerrilheira,
Tu és a flor do Araguaia.

Helenira,
O teu ventre é como praia,
O teu grito é uma fogueira,
Helenira.

domingo, 3 de abril de 2011

O sol

Surgiu revigorado o sol,
Beijando e acariciando a vida,
No espaço em que deflorara a noite,
Possuindo-a, altaneiro, lentamente.

Vê: este sol não é o de ontem,
Há nele uma nova espécie de luz,
Um sêmen que doura, que floresce
E que encanta; tampouco será
O sol do possível amanhã,
Pálido, de outrora; doravante
Será um sol apaixonado,
Derramando,
Gota
A gota,
A sua ternura.

Seguir-se-ão os dias, e o sol se manterá
Primaveril, molhado ainda pelo esperma
Da derradeira noite solitária.

quarta-feira, 30 de março de 2011

A manhã

Amor, famélico vou regendo a aurora,
Tecendo alvoradas com dedos indômitos,
Emancipando dores funestas, as quais
Fenecem em teu sorriso, em cuja força
Amanhece meu desejo.

Amor, sol reinante floresce nos teus beijos,
E no infinito, abruptamente, ressoa meu amor desmedido,
No infinito, miseravelmente, algo cresce e se desfaz,
No infinito, renasce algo ainda mais forte,
E então saio das cinzas como a fênix,
Levando-te nos braços, ou talvez na memória.

Beija-me, antes que o crepúsculo principie
E tu me vejas envolto em pesadelo e trevas.
Beija-me urgentemente, pois o resplendor
Matutino já se desvanece em prantos.

terça-feira, 15 de março de 2011

Desta matéria viva

Não são de lágrimas os teus olhos,
Tampouco de alegria combatida:
São de oceano, cuja ambição única
É estender-se sob o sol,
Estabelecendo, assim, sua passagem
Perene, macrocosmicamente,
E efêmera, microcosmicamente,
Pelos tantos caminhos abortados,
Íngremes em sua vastidão.

Não é palpável a analogia desses olhos,
Em cuja reverberação se reflete a natureza:
Fixos, são duas luas triunfantes no colossal
Aspecto da fronte; móveis, esses olhos são
Duas aves famintas e irascíveis que percorrem
Territórios inexplorados, e deflagram
Zonas pacíficas, e produzem as intempéries.
E assim se formam, amor, teus olhos de oceano.

terça-feira, 1 de março de 2011

Este planeta

Não apenas identificando estrelas,
Não somente imitando o aspecto
Grave da lua, mas também recriando o universo
À tua semelhança, iracundo como o vento,
Empreendi jornadas incríveis que resultaram
Em intermitentes labores:

As constelações eram teus olhos,
Era o teu ventre a imensidão do céu,
Os teus seios rijos eram dois pássaros
Que sobrevoam por este azul interminável;
A tua genitália era a lua, em cujos mistérios
Penetro para louvar nesta poesia;
Os raios solares eram teus cabelos,
Auríferas substâncias que douram
Os seres e que se renovam a cada olhar.

Sou devoto do mundo e, portanto, amo-te
Sem início nem fim nem paradeiro,
Indiferente às distâncias e ao tempo,
Pois, sendo universo para mim,
És plena como o ar, invadindo-me o pulmão
E o coração e adjacências com teu amor ubíquo.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Araguaia

Sobre o manto do teu silêncio,
Araguaia, uma voz bradou:
Pão, terra, liberdade!
E as vozes tirânicas responderam
Com terror, sangue e morte
À luta que então florescia
No seio do teu solo acolhedor, Araguaia.

Quantas vozes falam
Por teu vento uivante, quantos gemidos
De dor se calaram em teus crepúsculos!
Dá-me uma memória, Araguaia,
E que nela esteja a paz de estar lutando.

Araguaia, tão férteis são tuas terras
Que o sangue vertido germinou,
E corre através de minhas veias,
Para invocar tua memória,
Para eternizá-la junto aos meus companheiros.

E os que se embrenharam na mata,
Os meus camaradas, levavam consigo não mais
Que uma bandeira rubra em seus corações.

Levai esta certeza aos vossos túmulos
Inexistentes, corações insepultos:
Nossa luta renasce em vossa morte.

Araguaia, és a minha bandeira!

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Integração

Soaram as horas da insônia,
E no beijo que a lua derrama
Sobre o mundo noturno, senti que chegaste,
Tenaz como feixe de luz.

Tua presença tornou-se indissolúvel,
Teu aroma e teu bálsamo acolheram
Minhas lamúrias, e nas lágrimas
De outrora teu riso límpido desenhou
Meu novo semblante.

Imediatamente o ar balbuciou teu nome,
O mesmo ar que se respira tornou-se
Alimento: e respirei-te, e ingeri-te,
E influí-te, amei-te.

Amo-te porque me insuflas,
E por amar-te defloro o contentamento,
Bem como o regozijo errante que se abrigou
No teu ventre, cuja beleza indizível
Manifesta-se na atmosfera.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Florescendo a cidade

Tua mão, ao tocar-me,
Abriu em meu corpo uma flor
Túrgida. O néctar do meu desejo
Propagou-se, alimentou tuas entranhas
E, ao despontar da lua, constatei
A magnitude que germinava dos teus beijos.

Então toda a minha vida tornou-se relva:
Por onde eu caminhava, a fragrância da tua rosa
Fazia brotar novas flores, que eram partes de ti:
Eras o epicentro do florescimento natural
Que se emaranhava pela América, e cada centímetro
De solo infértil viu-se florescido desde então,
Como terra que produz e ama e cria,
A mais autêntica terra frutífera.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Cuba

Sobre o teu chão, airosa ilha,
Floresce a liberdade do povo e o pão,
Nessas terras onde todos plantarão,
Terras generosas para com filhos e filhas,
Nesse solo onde florescem sorrisos.

De Sierra Maestra à Santa Clara,
As sementes de tua luta germinaram;
Teu triunfo foi edificado quando marcharam,
Com os demais camaradas, Fidel, Cienfuegos, Raul e Che Guevara.

O legado de teu sangue derramado, Cuba,
Brilha e vive e se fortifica na América Latina.
Em cada rosto de um filho, teu futuro radioso se ilumina;
Labutai, cubanos! É de vossa responsabilidade que a pátria suba,
Pois sabeis, camaradas, que a Revolução perdura
E não quebrantará jamais!

E quantos outros não viram a conquista?
Nas frontes destes encontra-se agora
O reflexo da aurora,
Da noite que é manhã em cada noite socialista.

A luta segue firme, irmãos de classe!
Pelo comunismo derramais vosso sangue,
Que lavou as ruas infestadas
De atrocidades do tirano
E encarniçado inimigo do Proletariado.

Cada guerreiro insepulto ganha agora
A voz do meu poema.
Sois, cubanos, talvez,
O derradeiro farol de liberdade e resistência.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Quando amor incide

És o epicentro da boa-nova,
És a estrela a galopar em cervo errante,
Cortando afluentes, transpondo os limites
Do espaço sideral, desembocando,
Por fim, em meu coração.

Percorrendo tal itinerário, cálidos
Lábios ofertaram-me tempestade de dádivas:
Sitiei-me, submergi, emergi e construí
Na fortaleza a ocasião propícia
Para viver submerso na fenda que me abre
Caminho para o regozijo e o amor compartilhados.

Assim, sou residente do teu espaço preenchido,
À solidão que te compunha dei novas ânsias,
Compareci em massa e metafísica no teu pensamento,
E na tua inexorável realidade me fiz amante.

Somei inúmeras noites insones:
Nas horas mortas, vivi em ti e para ti;
Senti a eternidade pairar sobre mim durante a glória:
Cada átimo em ti é um século roubado à perenidade.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Assim declaro o meu amor

Rumando para as quimeras, concebi-te
Como quem faz poesia:
Nos teus olhos, o lirismo de tudo é ainda maior,
As palavras do meu poema ganham a vida que lhes idealizei.

Mas ainda assim é frágil
A matéria destes versos pretensiosos,
Tais como são: inscritos à brasa no teu corpo,
Nas linhas incandescentes do teu umbigo altivo.

São o dia, meus beijos e a poesia propriedades
Do teu latifúndio interminável,
Propriedades de tua alma telúrica e lasciva.
Somente nos teus lábios celebra-se minha literatura:
Declamo-os ao sol ao beijar-te...

Os meus versos são as tuas artérias,
São os teus seios a minha caligrafia,
E só a ti os consagro como
Consagraria o sangue devoto. Só a ti devolvo
O amor presente e vindouro em minha poesia.

Cada estrofe, bem-amada, é uma curva
Interminável do teu corpo fecundo.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

O ser

Era uma noite sem luar. Na calçada, uns cães mendigos ladravam à minha passada. Uma aglomeração cercava algo; acerquei-me e constatei que o defunto que jazia no chão era um companheiro dos conluios sobre a revolução socialista que finalmente emanciparia o povo. “Porra, a revolução ainda nem começou e já perdemos um de seus comandantes.”, pensei. Morrera subitamente enquanto fumava tranquilamente seu cigarro, identificando na fumaça o transcurso livre do povo sem os grilhões da escravidão atual, após a tomada do poder pelo proletariado.
Um cidadão aproximou-se de mim, curioso, resmungando.
-Sujeito bom.
-Sim. Filho de Odé – repliquei.
-Filho de Deus – treplicou o cidadão, e se afastou, ofendido.
Pois sim, cidadão. Filho de Odé, caçador; camarada muito prezado por Exu, malandro, chapéu caído sobre os olhos. Exu gosta de festas, de confusão, entrega-se à balbúrdia e só sai quando vê tudo findado. Notívago, conhece os meandros da noite misteriosa. Exu é amigo do finado, que mantém relações estreitas com a revolução, que por sua vez é muito apreciada por Iansã, guerreira. Exu veio buscar a alma do descarnado para se acabarem nas orgias da noite carioca.
Foi-se o cidadão. E eu fiquei só na aglomeração, vendo que a morte pode ser gloriosa, mas o ato de morrer é ridículo: não se vê o choro dos órfãos, da viúva, não se pode consolá-los; olhando sem enxergar, até que um empedernido qualquer lhe feche os olhos e o impeça de olhar; sendo alvo de piedade ou, quando muito, de pilhérias sobre sua feia fisionomia intumescida e molhada pelos prantos dos poucos que o amaram na vida – se é que alguém o amou de verdade. Morrer é vergonhoso!
“Agora que morreu, de que adianta ser amigo?”, pensei, e segui meu rumo. Na verdade, não tinha um rumo, procurava apenas por uma porta aberta de bar, um novo camarada para tramar contra o governo de direita que não fora eleito democraticamente, um governo golpista e reacionário. Não encontrando, sentei-me na beira da praia, num ponto onde a onda, arrastando-se, tocava-me os pés, purificava-me a alma. Fui feliz nesse momento, e a brisa da madrugada trouxe consigo lembranças que julgava adormecidas até então, mas que se espalharam na cidade, ganharam o céu do Rio de Janeiro, e posicionou-se entre as estrelas a mulher a qual amei por tantos anos.
De súbito, a lua surgiu.
Seu nome é Madalena. Madalena punha a alma no sexo, e, quando eu precisava fazer um esforço desmedido constituído de carícias e palavras para apossar-me de sua carne, de seu corpo e de sua genitália, sentia-me igualmente apossado de sua alma, e levitava para junto das aves que dizem aos amantes em seus cânticos. Em tais momentos, absorvia a eternidade em longas tragadas, enquanto, no olhar de Madalena, eu via a lua. Era claro: ela também se encontrava perdida entre os astros.
Amar é sentir dor. Ali, sentado na areia, acomodado no leito azul do mar, eu constatei: não há amor indolor. Elementar. Queria alguém para conversar, para expor essa minha tese, aliviar o peito afogado em lágrimas. Amor é dor porque um amante somente não se basta. É preciso penetrar no outro ser, fazer dele um novo junto com o primeiro: ser uma carne, um coração, uma alma ramificada pelas vísceras em comum. O amor une, mas não funde. Os amantes que conseguem se fundir são plenos. E raros.
Inconscientemente, Madalena sabia disso. Tacitamente, sua consciência foi introduzindo essa ideia em seu peito, até que percebi: quanto mais Madalena me amava, mais infeliz se tornava. Ela queria ser parte de mim, ser o todo da minha felicidade.
As lágrimas que rolavam pela minha fronte ficavam depositadas na areia, misturavam-se às ondas, que as levavam consigo. Fundiam-se. Então concluí: as lágrimas e as ondas se amam; fundem-se porque se amam integralmente. Se eu seguisse aquele rastro, deparar-me-ia com o amor pleno e desejado por mim e Madalena, que também já chorara na beira do mar. Eu sabia, ela chorara. Não podia deixar de chorar. Sabia porque vi, e contemplei essa cena com os olhos do coração.
Então senti uma dor profunda dilacerar-me. Era como se as ondas levassem parte de mim, o meu amor e, portanto, Madalena. Pois, naquele momento, nossas lágrimas se juntaram, e com as ondas formavam uma partícula indivisível: o amor. O amor que tanto idealizei em vida; o amor que encontrei na morte. O único pensamento que podia deter-me era o seguinte: a revolução pendente perderia dois dos seus comandantes num só dia. Mas uma nova chama devolveu-me a coragem: a revolução é popular, e eu sempre acreditei na força do povo. Confiei a missão da organização para os mais novos. E fui encontrar o meu amor nas profundezas do oceano.
Sob o meu corpo, o leito azul do mar, límpido, convidativo, lindo, o depósito da minha paixão. Acima, o céu estrelado e a lua de prata que se refletiam nos meus olhos e no mar. Deixei-me ir. Não tive apenas lágrimas borrifando-me a face sem vida. Não pude secar o pranto de uma viúva, mas sorvi as lágrimas na face da mulher que amei.