segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Congruência

No passado eu já te amava,
Antes mesmo de nascermos,
Antes que a Terra visse terras,
Antes que o mar cruzasse o oceano,
Antes que os raios do sol
Brilhassem no ventre do horizonte,
Teus olhos nascentes já brilhavam
Na minha órbita de desejo pulsante.

Era eu então um nada,
Um corpo difuso no espaço,
Sem saudade e expectativa
– eu não tinha ontem nem amanhã.

Sou cada vez mais nada,
Porque sou cada vez menos eu:
Sem dúvida que somos um,
Ou eu sou nós ou nós somos eu ou tu.

Dois indivíduos jubilosos num só corpo,
Compartilhamos o amor atemporal
E ubíquo, oriundo de sua própria autossuficiência,
E comungamos num beijo todas as forças metafísicas
E temporais e metafóricas às quais o coração aspira.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A manobra

Estavas vencida sob penas,
Cuja dor ainda hoje te arrasa.
A água do rio, bebias em sede plena
– sede que no amor torna-se brasa.

Tua sede infindável deu-te asas
Quando eras ainda tão pequena...
Inflamou-se o teu peito;
Tuas noites sofríveis tornaram-se serenas
– com esporádicos arrebatamentos eróticos no teu leito.

Vençamos tais penas! Não há amor
Muito distinto das flores!
O outono já expande seu horizonte incolor...
Expande também os seus amores.

Sê sempre sedenta e, em suma,
Colha as flores as quais a ti devoto.
Plantei-as uma a uma,
Como as palavras deste poema roto.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O que é vivo

Ontem, tarde da noite, eu chorei. Chorei porque percebi que minha ave de estimação alçará vôo. O meu ninho tão acidentado não proporciona o conforto do qual ela necessita. Ela voará; mais cedo ou mais tarde, voará. E meu ninho ficará disponível para outras tantas aves errantes.
Eis o meu destino; eis o meu fracasso; eis, sobretudo, a forma pífia como me acabo: sem a ave a qual alimentei por tanto tempo, oferecendo-lhe o meu amor humano em troca de nada. Não obstante o meu amor, o meu afeto e a minha atenção, eu não soube controlá-los. Tornaram-se deletérios.
Novos ventos a levarão para outros ninhos; percorrerá novos caminhos. Porém, tenho convicção de que a minha querida ave não encontrará itinerário tão passional e intenso e raivoso quanto estas veias que me correm pelo corpo.
Sempre que o meu pássaro alçar novos vôos pelo céu, os meus olhos nublados inundarão o mundo de lágrimas.