sexta-feira, 26 de março de 2010

O ininteligível do amor

Sentado diante de um colégio, via os pequenos correndo, brincando, indiferentes à dor que eu sentia. Será que ainda teria tempo para viver aquele amor tão intenso? Levantei-me, pus-me a andar pelas ruas onde outrora passei ao lado dela, com seus risos provocantes, e minha visão turvou-se, numa busca insana por um sinal que me conduzisse aonde ela estaria.
Os transeuntes não podiam perceber o sofrimento que exalava de meu peito e se esvaía no ar, seguido de um outro, pelo mesmo motivo do primeiro: a certeza do amor recíproco que teme fracassos vindouros.
Sentia frio; nada havia no céu, senão uma nuvem negra que pairava sobre mim. Meu itinerário era esquecido; troquei-o pela aventura de andar só, pela desventura de peregrinar num invólucro invisível: Trevas.
Quando acordei do torpor, estava parado, outra vez, defronte ao colégio; não pude me certificar se andara por todas aquelas ruas, de fato, ou se tudo fora apenas meu pensamento, percorrendo os labirintos de um passado ditoso.
Alguém me espreitava; algum fracassado, como eu, identificava-se comigo, via-me como espelho de suas dores, ou um ser feliz desdenhava do meu penar solitário, tentando chorar no próprio ombro, que não suportava o peso da culpa e caía junto ao meio-fio.
Levantei-me, e para certificar-me de que estava realmente de pé, balancei violentamente a cabeça, de maneira tal que fui obrigado a esforçar-me para não cair novamente. Andei e encontrei-me numa praia que não conhecia, mas que já havia imaginado num momento oportuno, grande ilusão. O sol, porém, negou-me o sorriso e fracassei. Ignorei, pois, a bela vista e tomei o caminho contrário. Voltei. Cheguei a minha casa, trôpego, não pela bebida, mas pelo grito sufocante preso na garganta. Focalizei bem o canto onde demos o primeiro beijo, seguido de outro e outro e mais outro que era seguido por outro.
Nesse ínterim, lembrei dos amores corruptos que se deitaram à minha cama, desbotando minha história com meu grande amor; eu também a via com outros homens, que, naturalmente, não a mereciam como eu. Assim pensávamos, e, finalmente, encontrávamos um ombro para chorar as lágrimas que poderiam ser facilmente extintas, caso o orgulho não entrasse em conflito com o amor. Ambos sabíamos, e esta dor atroz me destruía. Por que ser apenas amigos, se a plenitude do amor permitia a cumplicidade que, naquele momento, era nossa grande adversária?
Se eu não a amasse, levantar-me-ia da cama e falar-lhe-ia mentiras, com a finalidade de beijá-la, ainda uma vez, para sentir-me pleno de seus lábios úmidos e encantados; lábios cálidos, que eu era capaz de reconhecer entre tantos outros.
Acendi um cigarro e a fumaça bailava diante de mim, como ela fazia, semi-nua, com um sorriso desenhado na fronte mais bela que meu olhar já tocou; não obstante, ameaçava-me com o seu penetrante, que logo me cobria de desejo.
A fumaça do cigarro esmorecia; tentei prende-la entre os dedos frios, mas ela escapou-me. Minhas pálpebras cerraram-se, e quando eu ia adormecer, senti um vulto aproximando-se, abri os olhos e murmurei:
-Adriana.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Monólogo

O Medo:
Sou irmão da Covardia,
Mas isto é segredo;
Posso casar-me com a Ousadia,
Chamo-me Medo.

Aprisiono, enclausuro
E sou rejeitado por poetas;
Sempre contraditórios e obscuros,
Mas deixam-me as portas abertas.


Poeta:
Maldito és,
Medo desgraçado!
Sob meus pés
Terás o pescoço esmagado!

Sou poeta e declamo
À noite para as senhoras;
A cada uma delas eu amo,
E tu, que fazes esta hora?

O Medo:
Salvo vidas como a tua.
Tão jovem, poeta, cuidado!
Também eu admiro a lua,
Porém não sonho sentar-me ao seu lado.

Poeta:
Nunca, portanto, serás pleno!
Pois quem não é audaz
Eternamente será pequeno!
Voar é o que me apraz!

O Medo:
Não me esconjures! Não vês?
Estou sempre contigo.
Deus ajudei no que fez
E sou também teu amigo.

Poeta:
Mão como a tua não desejo,
Pois movimentar-me não poderei.
Aproveito o ensejo,
Quero ser rei!

O Medo:
Aquele que impera
Tão invejado é!
Mas é doce a tua quimera,
Reis em mim depositam fé.

Poeta:
Fé não possuo em meu coração,
Mas pelos deuses tenho respeito.
Não faço uma oração,
Elas não me tocam o peito.

O Medo:
Diz, poeta, não temes
Que tuas palavras cheguem ao fim?
Vejo que tremes,
Tens medo igual a mim!

Poeta:
Para provar-te que não,
Te escreverei um epigrama:
Tua moderação
Não deita na tua cama!

sábado, 13 de março de 2010

Renúncia

Jaz em seio noturno
O sol da vida.
Pudera um ser taciturno
Gozar a felicidade na fronte querida?

Se me for dado
O privilégio de beber as águas do Letes,
Já que um ser desgraçado, frustrado,
Jamais encontra alma que o complete,
Estarei redimido,
Pois da vida sou descrido!

Oh, Érebo, tu que és o verdadeiro criador!
Tuas trevas rodeiam-me, turvam-me a visão;
Trovas calam-se, perdem-se na escuridão;
E morro tal qual o amor!

Será o féretro macio?
Troco, neste momento,
Desta vida o vazio
Pelo cobiçado perecimento.