quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Exuberância

Se me negas a flor do meu desejo,
Desenhada no teu ventre com destreza
E esmero, orvalhada pela avidez
Das minhas mãos a te despir da pudicícia,
Então me desorbito, e rigorosamente
Repilo a intensidade de abraçar a vida,
Pois todas as coisas abrangíveis estão
Em uníssono nos teus olhos e na extensão
Poética da tua semente que germina júbilo.

Se me impedes que percorra o infinito íntimo
Da tua fortaleza em chamas, território inerme
De concupiscência imensurável, alvo de minhas
Cobiças febris, então vagueio pelo universo
A buscar a estrela progenitora do teu ser,
A cauda do teu cometa errante,
Até que descubro que não há criação,
Não há força sobre-humana capaz de executar
Com perfeição o que fazes diariamente,
Senão o nascer do sol e o despontar da lua,
A germinação de uma flor no peito e a marcha
Primaveril da vida em plena calamidade.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Origem

Antes de nós, era eu um rei
De territórios ermos, e tão
Só como teu sempre fui,
Sem que pudesses conceber
Que a ausência tua
É o cataclismo do universo.

Eis todas as metafísicas
No cume dos teus olhos:
O passado de quando não éramos,
O presente que clama por ser eterno
E o futuro inaudito, porque para dois amantes
A vida consiste em supor o Desconhecido,
Pois tudo já se conhece quando se ama,
E tudo se ama quando se busca
Tudo quanto é intocado.
Teus olhos elucidam a mente dum sábio!

Antes de nós, tudo silente,
E o mundo vago como meu coração
Destituído de cores;
Antes de nós, tudo que existe então
Reduzia-se a nada, exatamente
Como em cada partida atroz
Que dói como a morte no coração.

Donde vieram os mares, senão
Das lágrimas que chorei antes de sermos?
Donde vindes, ventos, senão da busca
Incessante a qual empreendi
Por anos a fio, séculos e milênios?
Concluí, então, que o teu olhar
É o pórtico para a eternidade,
E que os teus olhos mantêm vivo o Sol.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O que há em querer-te

O que há em querer-te,
Minuciosamente querer-te, se neste
Desejar-te profundo há magnitude,
Se nessa beleza inexcedível há
Qualquer coisa de extraordinária?
O que há em querer-te,
Se me queres, árdego, em teus pelos?

O que há em querer-te,
Querendo-te ardentemente, supondo
Em cada pôr-do-sol tua fisionomia,
E em cada crepúsculo, teu umbigo?

O que há em querer-te apenas,
Ou ainda amar-te vorazmente os seios,
Como prova inconteste do meu amor leviano?
O que há em querer-te levianamente para todo o sempre,
Sendo o Sempre a parte impalpável do amor,
Tornando-me, assim, heróico e intimorato?

O que há em querer-te,
Se te quero não por mim,
Se por ti, não por ninguém,
E a ninguém quero tanto quanto a ti?

domingo, 21 de novembro de 2010

Axé, Omolara, Iorubá

Ó Omolara, representante
Fidedigna do povo de todos os santos,
Levanta-te com teus povos!
A redenção tua não será edificada
Sem eles.

Ó Omolara, da tez negra
E olhar diáfano, do coração reluzente,
Da vida em todos os orifícios,
Beleza que tortura, que prende,
Que encanta, constrói:
Beleza estupenda da história
Do sangue que te corre nas veias;
Do sangue derramado dos nossos antepassados,
Omolara, pelos algozes de ora e outrora.

Ó Omolara, filha da África...
Tua mãe, nossa mãe, proporciona-nos tanto prazer
Ao lembrarmo-nos dela com saudosismo, das
Lutas empreendidas por nossos irmãos
Para benefício nosso – benefício
Do qual até hoje, ai de nós, Omolara!, não desfrutamos.

Contudo os objetivos mantêm-se
Fortalecidos dentro de nós,
Em companhia do amor o qual te devoto,
O amor que me prende eternamente
À pele negra do teu corpo desnudo,
O idílio de cada luar.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Itinerário

Quisera sentir o peso do teu ventre
Nos meus lábios sitibundos,
A epiderme do teu amor florescendo
Em minhas vísceras,
Despejando em ruidosas alegrias
Gotas acres de melancolia,
E obtive nisto êxito quase integral.

Serias afinal uma estrela,
Ou serias ainda o próprio vento,
Quando não, uma musa de pátrias longínquas
A desbravar mares sobranceiros.

Ao infinito! Eis o que disseste,
Na verdade quando nasceste,
Bem como segurando em tuas pequeninas
Mãos cosmopolitas uma dose desmesurada de saudade.

Ao infinito! Levei ao pé da letra,
E meu futuro é amar-te sempre mais,
Como se fosse ainda o início de tudo,
A crisálida provisória do mundo...

Era o labor contido de tua paixão
Já deflorando meus neurônios,
Que apenas em ti vislumbravam
A parte que até então me faltara,
A Lua que não conhecera a Terra.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Morro-me e ressuscitas-me

Grande contentamento sinto
Ao ver-te, amada minha,
E, mais do que isso, escrever-te,
E, ainda mais, descrever-te,
Estátua de cútis e ossos e sangue,
Sub-produto das centelhas febris
Que me perturbam à noite,
Combinação perfeita da genealogia.

Unicamente bela, plenamente sublime,
Corolário magnífico da prole humana,
Dos anseios divinos e dos meus,
Teus seios são dois lírios orvalhados
Pela tempestade de prazer a qual me incutes.
E os olhos, quando abertos, são mares cristalinos,
Onde pousam os raios de sol do meu olhar
Refletidos pelo teu adamantino e iridescente;
Quando fechados, são dois astros,
E neles se refletem a opacidade do infinito,
O horizonte hermético do futuro,
E o plenilúnio renova-se nos teus beijos.

Morro-me para renascer, ainda uma vez,
Nos teus beijos de luar, e cada segundo
Torna-se eterno, e cada partir torna-se
Uma morte.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Abismo

O garoto estava à espreita; observava a presa a fim de dar o golpe e fugir sem ser visto. Era preciso um trabalho meticuloso de reconhecimento da área, dos transeuntes, dos possíveis pontos de fuga. Todo o plano materializado na mente, tinha experiência em pequenos furtos.
Etnia: negro; estereotipado: marginal. Quando nascera, grafaram-lhe na consciência: “Flagelado social”. Tivera família, mas era como se não tivesse. O pai morrera vítima de um acerto de contas entre os traficantes dissidentes do local onde habitavam. Rodrigo, a mãe e os três irmãos tiveram sorte e conseguiram escapar, o mais novo com um ferimento na perna.
Rodrigo ia à casa, em média, duas vezes por semana, com uma pequena quantia de dinheiro roubada dos pedestres da Central do Brasil. Era preciso dividir o dinheiro: o crack, vício que adquirira para ser destemido; o chefe da guarda policial responsável pela área e as despesas da casa. Aprendera a resignar-se, e até considerava-se feliz.
Fabricara uma arma, composta por metais e madeira, com um pedaço de arame para prender a extremidade pontiaguda que ele utilizava para amedrontar suas vítimas e, se preciso, feri-las. Não pensava duas vezes: “Quando me pegarem, não terão piedade de mim.” , dizia consigo. Entretanto, nunca havia matado ninguém.
Agora, ali, defronte ao escolhido, na iminência de atacá-lo, pensava nas possibilidades; evitava encará-lo diretamente; não queria chamar atenção. Branco, esguio. Não tinha tempo para analisar-lhe o olhar. “É agora”, pensou. Enfiou a mão no bolso, pegou o vidro que continha a cola e cheirou. Sentiu-se forte, despiu-se de temores. Como se o destino o ajudasse, a presa deixou cair no chão seu maço de cigarros. Quando se abaixou para pegá-lo, Rodrigo, ágil, hábil, enfiou a mão no bolso do homem, empurrou-o para ter tempo de fugir e correu. O rapaz caiu, atordoado e, quando procurou, viu apenas algumas pessoas que o cercavam, assustadas e preocupadas se o rapaz havia se ferido.
Ninguém vira. Rodrigo, a salvo, disse consigo: “Não foi preciso usar a arma. Mais fácil do que tirar doce de criança é tirar carteira de otário.” Abriu a carteira: duzentos e cinquenta reais, alguns cartões de créditos, um papel que continha telefones importantes e uma foto. “Deve ser a namorada.”
Domingos, policial, viu o menor. Aproximou-se: “Cerol, o que tem aí?” Cerol era como Rodrigo era conhecido na rua. “Cinquenta reais”, respondeu. Havia escondido o resto do dinheiro dentro das calças. Domingos, esperto e calejado, conhecedor dos ardis dos meninos de rua, deu um duro golpe na moral de Rodrigo – e na sua também. Despiu o garoto com um movimento rápido e o dinheiro caiu. Tapa no rosto. “Acha que eu sou esses moleques otários que você rouba na rua? Quer tomar porrada?” Domingos pegou todo o dinheiro, vasculhou a carteira: “Para você se divertir”, e atirou a foto da suposta namorada do rapaz sobre Cerol. Saiu. Cerol, ainda sob o efeito do entorpecente, disse: “Um dia eu vou te matar, filho-da-puta.” Domingos fitou-lhe, indiferente, e disse, com uma calma assustadora: “Se você não morrer antes...”
Doze anos.
Passados alguns dias, Domingos encomendou um serviço a Cerol: matar um policial, companheiro de guarda, que supostamente sonegava a propina que recebia. Costa era seu nome. Arisco, Cerol perguntou: “Por que não faz você mesmo? Eu nunca matei ninguém, não. Não sei como se faz.” “Ora, rapaz. É fácil. Não pode pensar. Quando chegar o momento, você conhecerá a força que tem. É rápido. Além do mais, um dia você vai precisar. É bom que já aprenda.”
Cerol conhecia Costa. Não estava disposto a matá-lo. Mas tinha raiva de Domingos. Matá-lo-ia. Seria a vingança prometida e desdenhada.
No dia combinado, Domingos encontrou Cerol na entrada de uma viela. Entraram num bar. Domingos tirou uma arma da cintura e mostrou-a a Cerol. Não era sua própria arma que ele portava. Era uma arma sem registros, com a numeração raspada, clandestina. Pretendia incriminar Cerol sozinho, para depois matá-lo. Assim, o crime contra o Costa não podia ser com sua arma. Domingos explicou a Cerol como deveria proceder: “Ele está na rua, fazendo patrulha. Vou atraí-lo para o fim da rua Mem de Sá. Você não pode ser visto. Ele estará armado. Não respire. Se ele te vir, será fatal para você. O momento te dirá a hora certa. Atire. Você não pode errar.” Assim, Domingos eliminaria um concorrente e criaria a ocasião para matar Cerol, que era visto como um perigo futuro. Dois problemas resolvidos de uma só vez. Também estaria na cena do crime, porém não falara isso. Logo após Cerol matar Costa, Domingos mataria Cerol. “Me dá sua arma. Quero acabar logo com isso.” “Está no carro. Tome esta.” Cerol era perspicaz, sabia que Domingos não podia deixar o crime impune. Um policial morto, alguém teria que pagar por isso. E Cerol já decidira que a corda não arrebentaria para o lado mais fraco. Pegou a arma. Sentiu-lhe o peso; sentiu o peso de uma responsabilidade que não deveria pesar sobre seus ombros. Olhou nos olhos de Domingos – pela primeira vez fazia isso com uma vítima; Domingos emanava perfídias no olhar; olhos maus, vermelhos de sangue. Cerol apontou-lhe a arma; falou: “Filho-da-puta. Quem vai morrer vai ser você, desgraçado. Isso vai ser por todas as porradas que você me deu.” Domingos demorou para atinar; o pavor deformou-lhe a fronte. Quando ia ponderar, Cerol atirou. Certeiro. No rosto. Cerol deu mais dois tiros; correu. Domingos ainda estrebuchou. Olhos bem abertos, o sangue escorria de sua boca; o pavor estampava-se em sua fronte sem vida.
Cerol sumiu. Nenhum morador tornou a vê-lo. Estava submerso na lama que a sociedade lhe impusera. Talvez voltasse a praticar pequenos delitos; talvez se entregasse de uma vez à categoria superior de criminosos. O certo é que estava eternamente condenado, não pela justiça, mas sim pela injustiça da sociedade hipócrita que subjuga um pequeno ser, impelindo-o ao crime e aproximando-o da morte.

sábado, 6 de novembro de 2010

Inefável

Constas em presença e corpo e espírito,
Sempre indissolúvel, nos meandros escusos
Dos meus olhares difusos,
Sendo sonho, e isso é finito.

Na fronte sublime
Tens reflexos de luminosidade,
E nos olhos exalas saudade,
Então não há nada mais que me anime.

De tua luz te vejo:
Incandescente, vejo-te no futuro,
Não neste nosso obscuro,
Mas no emaranhado de desejo
Chamado libido,
A sucessora do meu olvido
De tempos idos,
Tempos tão tirânicos!

Doravante as maravilhas do mundo
Serão as partes do teu ventre,
De todo o teu corpo, dos teus pés, entre
As curvas, das tuas mãos, dos teus pelos rubicundos.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Bifurcação

Concebo a dimensão da importância que tinham
Minha solitária companhia
E as conspirações que em meu peito se perpetuaram
Entre ilusões retrógradas e diversas.

Sem meu corpo transfigurado
Perdi tudo quanto era necessário:
As falas desdenhosas,
A maciez maquinada
Por seres extraviados
Que romperam a barreira
Do meu não-ser instável,
A facilidade com que me movia facilmente
Entre as nuvens densas
Da minha intrínseca melancolia.

Um infortúnio veio ser meu companheiro:
Não havia mais sol nem estrela nem baluarte,
Pois no meu leito apenas um feixe de luz lunar
Acomodava-se entre minhas desventuras:

O que seria eterno propagou-se no crepúsculo
E eu vi-o tornar-se vapor
Na hora mais imprópria do dia:
Insubstituível, mas inevitável:
O tempo estéril do ócio amoroso
A contemplar penosamente o passado inglório.

Stalingrado

Sob os escombros, Stalingrado
Renasce com a força vitoriosa
Dos justos.

Sob os escombros, Stalingrado
Renasce repleta de vida
Das mortes deixadas pelo caminho.

Sob os escombros, Stalingrado
Expande-se até Berlim,
Transformando uma vida execrável
Em História perene.

Sobre os escombros, o frio de Stalingrado
Dá lugar ao calor das armas de fogo
De soldados saudosos;
Sobre os escombros, o frio de Stalingrado
Intensifica-se com as lágrimas
Das mortalhas.

Sob os escombros de Stalingrado,
O mundo renasce
Sem suásticas ameaçadoras.

Sobre o céu de flores e sob
O jardim de estrelas
De Stalingrado
Há um povo soberano.

Nas mãos de Stalin concentram-se
Todas as esperanças numa alvorada
Em cujo horizonte não se reflita
A escravidão do ocidente.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Congruência

No passado eu já te amava,
Antes mesmo de nascermos,
Antes que a Terra visse terras,
Antes que o mar cruzasse o oceano,
Antes que os raios do sol
Brilhassem no ventre do horizonte,
Teus olhos nascentes já brilhavam
Na minha órbita de desejo pulsante.

Era eu então um nada,
Um corpo difuso no espaço,
Sem saudade e expectativa
– eu não tinha ontem nem amanhã.

Sou cada vez mais nada,
Porque sou cada vez menos eu:
Sem dúvida que somos um,
Ou eu sou nós ou nós somos eu ou tu.

Dois indivíduos jubilosos num só corpo,
Compartilhamos o amor atemporal
E ubíquo, oriundo de sua própria autossuficiência,
E comungamos num beijo todas as forças metafísicas
E temporais e metafóricas às quais o coração aspira.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A manobra

Estavas vencida sob penas,
Cuja dor ainda hoje te arrasa.
A água do rio, bebias em sede plena
– sede que no amor torna-se brasa.

Tua sede infindável deu-te asas
Quando eras ainda tão pequena...
Inflamou-se o teu peito;
Tuas noites sofríveis tornaram-se serenas
– com esporádicos arrebatamentos eróticos no teu leito.

Vençamos tais penas! Não há amor
Muito distinto das flores!
O outono já expande seu horizonte incolor...
Expande também os seus amores.

Sê sempre sedenta e, em suma,
Colha as flores as quais a ti devoto.
Plantei-as uma a uma,
Como as palavras deste poema roto.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O que é vivo

Ontem, tarde da noite, eu chorei. Chorei porque percebi que minha ave de estimação alçará vôo. O meu ninho tão acidentado não proporciona o conforto do qual ela necessita. Ela voará; mais cedo ou mais tarde, voará. E meu ninho ficará disponível para outras tantas aves errantes.
Eis o meu destino; eis o meu fracasso; eis, sobretudo, a forma pífia como me acabo: sem a ave a qual alimentei por tanto tempo, oferecendo-lhe o meu amor humano em troca de nada. Não obstante o meu amor, o meu afeto e a minha atenção, eu não soube controlá-los. Tornaram-se deletérios.
Novos ventos a levarão para outros ninhos; percorrerá novos caminhos. Porém, tenho convicção de que a minha querida ave não encontrará itinerário tão passional e intenso e raivoso quanto estas veias que me correm pelo corpo.
Sempre que o meu pássaro alçar novos vôos pelo céu, os meus olhos nublados inundarão o mundo de lágrimas.

domingo, 26 de setembro de 2010

Das tiranias

Andava aparentemente tranquilo pelas ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro, meio sem rumo, porém com um vago pensamento sombrio, cujo significado não sabia precisar. Quando, involuntariamente, olhei para o céu e percebi que a lua se posicionava em quarto minguante, majestosa, formando um arco no céu, que se precipitava contra todas as aspirações petulantemente concebidas pelos seres deste mundo. Aquela cena viva, aquela vida sem movimento, aquele movimento imperceptível e supostamente morto deu-me a sublime impressão de que o céu me sorria. E me senti forte. Entretanto, essa ideia tão efêmera logo foi substituída por outra: a atmosfera encontrava-se impregnada de homens ruins, cujos propósitos miseravelmente maus produziam em mim uma pungente sensação de prisão, contrapondo-se aos sorrisos expostos nas faces dos seres, como vitrines de produtos descartáveis. A saudade é a crisálida de todas as angústias...
A janela do meu quarto permanecera fechada durante muito tempo. Pejava-me a sensação de ter a privacidade invadida pelas exalações da natureza, pelos olhares calorosos do sol. Ali, naquele retângulo terrivelmente produzido por mãos desconhecidas e – quem sabe? – assassinas e torpes e corruptas, não poderia haver nada senão miséria. Não queria que minha visão se resumisse a ângulos projetados por um ser desconhecido, que pusera naquela janela vestígios do seu mundo repugnante, no meu quarto, sem o meu prévio consentimento. Além disso, é através da janela que vejo as estrelas, que contemplo o meu futuro sem aspirações. Desta janela que vi Omolara pela primeira vez: numa manhã de sol escaldante, contrastando-se com sua tez negra. Pensei: a Perfeição foi superada.
Ademais, não quero deparar-me com fisionomias aborrecidas, desgastadas pelo uso indevido de expressões que, por serem falsas, são também inúteis. Porém, tenho a leve sensação de que estas paredes não me podem prender; tenho conhecimento de todos esses infinitos os quais desconheço.
Pessoas desfilam diante de mim com seus adereços caríssimos; não sei como conseguem conviver com a contradição do capitalismo nos seus próprios corpos. Olho os apartamentos e seus moradores nas janelas, acenando para desconhecidos, com sorrisos expostos nos lábios frios. Já tive ímpetos de mandar-lhes algum sinal obsceno, porém contive-me. Malditos! Será que eles não vêem que pessoas se abrigam ali, em suas calçadas? Ficam ostentando ornamentos supérfluos, são burgueses que não têm consciência de classe. Não vêem que eles são produtores da miséria?! Na primeira oportunidade, mandar-lhes-ei enfiarem um objeto cilíndrico, de muito valor, em suas respectivas cavidades anais.
Omolara: por onde andará Omolara? Deparei-me com a felicidade durante apenas dois dias; veio da Nigéria. Hoje talvez esteja em algum país desenvolvido, exercendo imperialismo nos países do seu continente de origem. Ali começou minha derrocada, quando Omolara partiu sem adeus, sem lágrimas e sem desdém. Senti furar-me o peito o seu perfume; senti banhar-me a fronte o seu suor; senti arrebatar-me o peito o seu amor, tão intenso e passageiro. Omolara tem alma de pássaro: encontrou nas minhas folhas abrigo e alimento e palco para o seu espetáculo, um concerto de dóceis melodias; e o seu pouso no meu ninho foi para depositar suas penas. Hoje está produzindo novos sentimentos noutros seres humanos, em países longínquos e desconhecidos, falando idiomas estranhos e lidando com moedas hegemônicas.
Um vento passa e consigo escutar exatamente o que ele me diz: algumas verdades: não sei cumprir promessas e meu sorriso é falso; oferto muito mais do que os meios os quais disponho, e assim fico em débito; busco alternativas para recompor tudo, mas com isso acabo acumulando novas promessas e forçando novos sorrisos.
Levei Omolara para conhecer a cidade. Ela sorria e, na verdade, enganava-me. Mas fizemos sexo durante toda a noite, e em determinado momento ela me olhou nos olhos e disse: “Amo você. Mas sou como o vento: gosto de passar pelas vidas liberando sempre um aroma, deixando, assim, uma parte de mim em todas as pessoas que me amaram.” E partiu, sem explicar o que havia dito. Eu não entendi, porque ainda me encontrava no êxtase daquela cena maravilhosa, suas pernas entrelaçadas pelo meu corpo, arranhando-me com as garras, gritando, muito desvairada; meu pensamento não foi rápido o suficiente para assimilar um rompimento tão repentino. Eu precisava de algo mais explícito, todavia, tive que me contentar com aquela justificativa subjetiva. E parei para interpretar, mas só depois, pois havia acabado de ter um orgasmo descomunal, ainda não me encontrava em juízo perfeito.
Quando descobri, ela já havia partido. Meus livros estavam revirados, a janela estava aberta, a vida incompleta; todos os meus compromissos profissionais, pessoais e políticos foram desmarcados. Fui prejudicado: desfiz amizades, perdi chances de empregos; fiquei uma semana sem comparecer à sede do Partido, num momento importante, a mobilização das massas trabalhadoras.
Eu blasfemei. Mas isso não faz sentido, porque nada faz sentido. Omolara anunciou sua fuga, e eu não pude evitá-la. Não me empenhei o suficiente para tomar posse do vento. Mas a vida é assim: lembra-se apenas do que finda; o interminável não deixa lembrança, e o amor que não sente saudade não possui paixão. E eu sigo assim, por esta vida, cada vez mais inconcluso.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Transportes

Ainda que a pedra seja
Um recanto admirável,
Onde talvez durmam as destrezas
De um coração reluzente
Perante os maldizeres de sua carne,
Serão fulgurantes minhas pálpebras
Quando pousarem em ti
Com o meu olhar faminto.

No desnível mais recôndito do teu corpo
Minha língua será dócil transeunte
Do suor que te escorre desde o ventre,
Tenazmente, em relação harmônica
Com os pensamentos lúbricos
Que invadem o âmago dos amantes
Durante a noite, que é serva da lascívia
E seiva poética.

Teus pés deslizam pelo solo infértil,
Qual onda de mar não cristalizado,
Por onde fluem as ânsias intrépidas
De um coração fumegante,
O qual, no abrigo de minhas mãos, ressona
Como o vulcão insano que abala dois corpos
Numa tempestade voluptuosa
De raras precisão e beleza em chamas.

E esta é a mecânica da vida:
Um olhar concupiscente reflete
Na retina repleta de sangue
O amor que se deve à ininterrupção
Dos sentidos que captam a luz efêmera
De um sol que vive para iluminar
Uma amada estrela da Terra.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Aniversário

Hoje faço aniversário. Entretanto, não tenho motivo algum para comemorar. Neste dia tão importante, quando o mundo todo se preocupa comigo, faz-se necessária uma análise. Nunca fui um bom autocrítico. Na verdade, sempre me escondi de discussões que me tinham como foco principal. Mas talvez isso seja um sinal de maturidade. Para ser sincero, estou até quase emocionado. Esta é a inauguração da minha sinceridade.
Vinte anos. Observo que os meus erros são muito mais numerosos do que os meus acertos. Fiz tudo errado. Ou, antes, errei em tudo. Pois há diferença: quem erra em tudo pode não fazer tudo errado. Mas, geralmente, aquele que faz tudo errado acaba errando em tudo. Se eu pudesse transferir minhas atitudes para outra vida, aproveitaria uma quantia mínima. Pois tudo que eu fiz, até hoje, sofreu regressos e me impossibilitou de levar uma vida feliz. Eu não sou feliz. E isso nada tem a ver com perdas amorosas; pelo contrário: adquiri mais amores do que meu coração pode ofertar, de forma que fui me enganando.
Já recebi inúmeras sugestões de verdadeiros amigos para a comemoração do meu aniversário. Rejeitei todas. Apesar de ficar assombrado sempre que penso na ideia de solidão, quero passar este dia sozinho. Não vejo motivo algum para comemorar. Quantas outras milhares de pessoas nasceram neste dia dezesseis de setembro e outras que morreram e outras que nasceram e morreram e outras que nascerão amanhã e depois e também morrerão? O que todas essas comemorações por nascimentos e aniversários e lamúrias em velórios podem acrescentar de bom na dinâmica do mundo? Não é especial. A fração que me resta do meu dia é tão mínima que não representa nada para mim; pode representar para os outros que ainda não perceberam o que percebi, mas, quando perceberem – se viverem até lá – ficarão tão incrédulos quanto eu. Aliás, o problema é este mesmo: não creio em nada, nem em mim, pois tudo que fiz, até hoje, foi extremamente falso.
Eu tinha bons propósitos, o que me torna um ser ainda mais desprezível: aquele que tem maus propósitos e faz tudo errado, segundo seus conceitos, está agindo de maneira correta, pois gosta de ser um tremendo filho da puta. Mas aquele que tem bons propósitos e não consegue realizá-los se sente fraco; sente-se incapaz. Exatamente como eu me sinto: mãos atadas.
Não mereço receber parabéns. Parabeniza-se por uma bela atitude, por um bom resultado obtido num empreendimento difícil, pelo esforço, entre outras coisas. Eu nunca obtive bons resultados concretos, não me esforço para obtê-los e minhas atitudes mais belas não são percebidas. Não quero contestação. Ninguém está dentro de mim, ninguém sente o que eu sinto, enquanto eu sou – ou quero ser – o que todos sentem.
Aí vêm as reflexões egoístas de outras pessoas, como se eu me preocupasse com elas. “Você é estranho!” “Pára de palhaçada.” Julguem, julguem. O melhor presente que eu poderia receber foi concedido por mim mesmo: este texto, que mostra que ainda há um pouco de verdade e sinceridade dentro deste que corpo que vai virar nada. O resto, – que resto? – não vai me atingir.

sábado, 4 de setembro de 2010

Num céu longínquo

Glorioso o céu da Nigéria,
Por ter sob seu lenço a aura tua!
Como será aí mais bela a lua,
Chorando em ti por tantas misérias...

Ó África! Ó Mãe! Sabias
Que perdeste uma estrela do teu céu?
A fisionomia do teu firmamento ficou vazia,
Depois que Omolara, pela chuva que tu choravas, desceu.

Então sonhe, Omolara. Aproveite o ensejo,
Que enquanto sonhas comigo sonhas;
Na tua boca florescem os meus beijos
Que tocam tua alma.

Quiçá morto estarei amanhã,
Porém muito mais vivo:
Habitante, não desta terra de Tupã,
Mas do teu peito altivo.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Vozes íntimas

Teus cabelos são os raios da aurora,
As canções as quais outrora
Ministrava um menestrel;
Tua voz é melodia,
Deliciosa harmonia
Dos anjos do céu.

Sou como me vês:
Doce e cálido amante,
Em cujo coração palpitante
Fixa-se a imagem de tua nudez.
Agora, se sou o que tu és,
Atirado aos teus pés
Já não sei quem sou...
Pois nossos corpos unidos,
Nosso leito florescido
Nalguma noite germinou.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Voracidade

Os seios, o ventre, a genitália,
Tudo! Dê-me agora tua sonolência
Pródiga, infinita: uma noite
Não é noite sem cópula!

O maldizer que destilas
É proveniente do fogo de paixão
Com que me beijas.
E o sorriso o qual me negas
É um engodo: estou vencido,
Fui facilmente vencido:
Pois sexo, amor, é algo
Sobre alguma coisa;
Alguém dentro de outrem;
É a profundidade incomensurável
De alguém sobre outrem, um órgão
Dentro de outro:
É o atalho mais curto para as estrelas!

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Via crúcis

Se amor é o que me deste,
Do desamor não o sei mais discernir;
Pois que de espinho a flor se reveste
Antes mesmo de a possuir.

E eu tinha amor nos olhos,
Porque te olhava;
E meu coração inerme estava
Sedento por beijar-te
E escrever-te uma poesia,
Na qual tu serias minha escrava:
Sempre amei hiperbolicamente...

Mas sentes meu amor vulcânico
Entrando em erupção à noite,
Quando me amavas e me olhavas
E me sorrias, e te escondias
Tão logo o cálice do prazer derramava,
Inundando os nossos corpos exaustos
De alguma coisa sublime.

E então me sentia repleto de tua ternura,
Do teu cândido fogo a queimar-me;
E sentia o êxtase invadindo tuas entranhas,
Possuindo-te sem pejo,
Quando me negavas um beijo
Para fustigar meu desejo;
E eu celebrava o amor com avidez ainda maior,
Percorrendo a via crúcis no teu corpo profano.

Todavia, o gelo sorrateiro brotou nos teus olhos,
Congelando amargamente a nossa cena;
E teus pelos magníficos
Não se eriçam mais na minha presença,
Pois aquilo que denominaste suspiro
Era, na verdade, ebulição
E o nosso amor – vapor.

sábado, 7 de agosto de 2010

Central do Brasil

Central do Brasil, meia-noite. Os pivetes espreitam-me, riem de mim, do meu casaco roto e do meu semblante cansado. Sim, cansado, pois já errei por diversas ruas até chegar aqui. Os poucos carros que se aventuram passam em alta velocidade; os únicos transeuntes são os ratos. Não encontro motivação para voltar para casa, e por isso ficarei aqui.
Há um bar aberto, Avenida Presidente Vargas. Entro, o atendente olha-me de cara feia, provavelmente cansado; peço uma aguardente e saio, retribuindo o olhar de fastio do rapaz preso ao balcão. Prisão do rapaz: setenta e sete horas semanais de trabalho; minha prisão: dois anos de casamento frustrado, de traições, injúrias e perjúrios.
Cultivei uma alegria sombria em detrimento das coisas que me faziam desfalecer. Assim, por diversas vezes, fui qualquer coisa que não se assemelha a mim. Troquei o significado de tudo: sorriso passou a ser máscara; lágrimas tornaram-se água; sofrimento tornou-se ar; matrimônio passou a significar relacionamento ocasional. Dois cônjuges, duas vidas extremamente infelizes.
Estou andando há muito tempo, mas a lugar nenhum cheguei. Desde então, sou dois extremos: tudo e nada. Sou um nada que errou em tudo. Penso em mudar, mas decidi não fazê-lo. Não quero perder estas virtudes e estes defeitos, os quais demorei tanto tempo para aceitar, ultrapassando inúmeros obstáculos. Quem sou eu, afinal? Ou melhor, o que sou eu?
Os moleques esconderam-se. Pensam, provavelmente, que irei roubá-los. O que me diferencia dos moleques?
As flores com as quais presenteio possuem espinhos. Vou, porém, voltar para casa, conquistar minha esposa, ainda uma vez, dizer-lhe que sim, que errei e sou reincidente, mas, se volto para casa, é porque a amo. Amo-a e o amor é grande; se não o fosse, trocá-la-ia pela primeira mulher mais nova que me piscasse os olhos, sorrisse-me com graça. Mas, não. Eu volto para casa. Volto porque a amo, naturalmente.
A noite se segue; a lua se eleva, indiferente. Minha memória está obstinada em tapar-me a visão, camuflar os acontecimentos reais. Poderia viver assim?
Um decadente. Sempre dou mais do que sou capaz, de modo que engano a mim mesmo, para depois enganar a todos os amores que passaram pela minha vida.
Uma prostituta passa ao meu lado, pisca-me os olhos apertados, indiferentes: tentativa de sedução maquinal. Ignoro a razão pela qual ela me tenta, é evidente que não possuo meios de pagar-lhe o serviço. Ignoro, dou dois passos adiante. Olho para trás e imagino a mulher fazendo o mesmo para outro rapaz. Esboço um acesso de raiva, mas observo que seria um despropósito revoltar-me com alguém em seu trabalho. O que eu faço também não é prostituição? Pois sim!
O melhor é seguir em frente, alheio às prostitutas e aos ratos. Mais fácil quando eu era natural. Não precisava esconder-me atrás de sorrisos ou palavras dóceis. Já me falaram que careço de qualquer crença, mas crer em quê? Creio apenas nas maldades do amor e nas marcas indeléveis que ele me causa. Mesmo assim, sempre lhe dei outra chance. A culpa deve ser minha.
“E vem me falar de Deus?” gritei, sozinho. Acordei, provavelmente, a vizinhança do centro do Rio de Janeiro. Um disparate: os moradores das imediações vão pensar que se trata de alguma confusão, que sou um gatuno, um velhaco, vão correr atrás de mim, que não tenho força para correr, e quando me alcançarem, distribuirão pontapés, não terei forças para vencer o pugilato com um grupo rebelde, reivindicando sono e vou morrer, aqui na calçada. Amanhã serei notícia, tornar-me-ei santo: rapaz, vítima de injustiça, é morto covardemente por um grupo de pelo menos vinte pessoas. Minha esposa não pensará mais nas minhas falsas promessas, serei vestido de maneira decente e terei um enterro digno.
Não! Devo pagar, na Terra, pelas minhas maldades. Que maldades?! Alego que sou vítima, sou a todo instante coagido pelos propósitos do meu coração, que não possui dispositivo que o ligue ao cérebro, então é um réu que age inconscientemente. Além do mais, sou também réu confesso: matei amores, sim, roubei almas, sou inadimplente de algumas paixões, embora seja extremamente passional. Mas foi o acéfalo do meu coração que decidiu, sempre. Nada é ininterrupto.
Ninguém parece prestar atenção em mim. E, ainda que alguém se aventure, poderia decifrar-me? Não sei, esta é a metrópole. Difícil exigir atenção das pessoas, inspirar confiança para prosear com alguém, a fim de elucidar o que se passa em meu interior. Inútil obter novos camaradas, já os possuo mais do que santos ou fé. Entretanto, gostaria de conversar com alguém, discorrer sobre minhas teorias revolucionárias, expor as razões do naufrágio do meu matrimônio, falar de futebol, cantar uma música antiga, essas coisas da cidade grande, meio falsas. Mas no momento todos dormem; minha esposa espera-me acordada, com sono e com raiva: a cidade dorme; a infidelidade acorda.
Dormirei na porta do bar do rapaz aprisionado, pois meu leito conjugal tornou-se muito pequeno para acomodar duas almas estranhas. Ele, vendo-me ali, irá supor que se trata de provocação, aliar-se-á ao grupo sonâmbulo que não me assassinou, e me matará de uma vez, como o faço, dia após dia.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Sabores

O líquido viscoso
Que hoje escorre por tuas pernas
É produto
Do meu amor;

Como a flor
Plantada em ti,
Que eu colhi
E cultivei
A cada lua.

Porém, outro há de plantar
Outra flor, com espinho,
Na tua alma, sem dó.
E eu, outra vez, estarei só,
Plantando outras florezinhas errantes
No ventre de outras amantes
Iludidas.

domingo, 25 de julho de 2010

Omolara

Encontrei um amor, num motel do Rio de Janeiro, na Lapa. Não amo apenas seu sexo, porém; amo tudo que vem dela, amo todo o seu corpo, amo-a da cabeça aos pés, passando por cada pedaço que há entre esses extremos. Enquanto transávamos, vi que seus olhos brilhavam, iluminando todo o quarto escuro. Ela pediu para apagar as luzes, disse ter vergonha. Falei: “Vergonha? Estamos na iminência de realizar um ato tão íntimo, e você vem me falar de pudor?” Ela disse: “Prefiro assim, querido. Apague as luzes.” Não pude negar, diante daquela voz. Se eu acreditasse em divindades, pensaria que aquela mulher era uma. Não era. Era real, palpável. Disse-lhe: “Omolara, não te afastes nunca deste Addae Olwaka Mbami.” Ela disse: “Mbami, não te afastes nunca da tua Omolara.”
Ejaculamos. “Esse esperma representa a nossa aliança. Estará para sempre entre nossas pernas, e ninguém vai vê-lo, para que todos pensem que enlouquecemos, quando contarmos esta história.”, ela me disse.
Percebi que seus olhos não brilhavam apenas durante o sexo. Aquele resplendor era constante. Omolara significa: nascida no tempo certo. Enquanto houver vida em Omolara, haverá sol na Terra.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Eu queria ser poesia

Eu queria ser poesia
Para personificar-me em sonho quando dormires;
Para estar em tua boca quando sorrires,
Eu queria ser poesia!

Eu queria ser poesia
Para secar em teu peito o pranto amargo;
Para receber teu amor e sexo e afago,
Eu queria ser poesia!

Eu queria ser poesia
Para lamentar sem pudor;
Para chorar o desamor,
Eu queria ser poesia!

Eu queria ser poesia,
Pois, assim, seria o extremo da alma;
Para ser o encanto que acalma,
Eu queria ser poesia!

Eu queria ser poesia
Para ser o peito fremente;
Para ser a verdade que mente,
Eu queria ser poesia!

Eu queria ser poesia
Para ser noite a qualquer hora do dia;
Para pintar de tristeza a cor da alegria,
Eu queria ser poesia!

Eu queria ser poesia
Para, com lágrimas, molhar um papel;
Para andar, sem rumo e olhando para o céu,
Eu queria ser poesia!

Eu queria ser poesia
Para, poeta, ter por quem chorar;
Para contemplar a lua e as estrelas e o mar,
Eu queria ser poesia!

sábado, 26 de junho de 2010

Guerrilheiros do Araguaia

Passa como um sussurro
O vento dos gritos agonizantes
Dos guerreiros camponeses:
Reminiscência de uns tempos
Idos, sagrados para as atrocidades
Nos porões do inferno, onde
Lágrimas misturavam-se ao sangue
Extraído daqueles corpos exangues;
Onde a morte mostrou-se companheira
Melhor que os viventes, estendendo-lhes
As mãos, quando lhes concediam suplícios.

Forte dor sinto agora
Pelos camaradas de outrora;
Os mártires da Liberdade,
Guerreiros impassíveis;
Todavia, refratários ao estoicismo:
Sentiam dores, mas sobrepunham-lhes
Esperança, vida e todos os sofrimentos
Eram terrivelmente multiplicados
Por todos os brasileiros.

Atores clandestinos de um palco
Pintado com os sons da injustiça,
Suportando o horrível peso
Das fisionomias macabras de seus filhos,
Esposas e maridos nos sonhos insones,
Perturbando-lhes o sono impossível.
O brilho nos olhos abundava
Nas faces daqueles heróis desgraçados,
Fadados à maldição dos carrascos – a justiça.
Contudo a luta foi frutífera,
E isto se prova pela auréola
Com a qual estas personagens são envoltas.

Ainda hoje são lembrados
E serão para sempre homenageados
Aqueles a quem o destino fatal não poupou.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

A uma alma cansada da vida passageira; enfadada na vida eterna.

Não te haverás de surpreender
Se vida por fim deixares cair;
Por onde passas odes te concedam
Impérios que hão de ruir.

Julgas-te morta, carne saudosa,
E tua vida se eclipsa nesse porvir;
Com todas as tuas desgraças, mulher,
Como consegues sorrir?

Não vês, então, que te apontam?
Que o único a quem preocupas sou eu?
Mas tu, carne morta, tão doentia,
Perdeste-te no próprio véu...

E tu, nesse vagaroso caminhar
Que descanso não desfruta,
Pois tempo se tem infinito
Que caminhos não cessam,
Perdes teu tempo nessa árdua labuta
Sem esperança de renovação!

Ainda que mão vil queira amparar-te;
Ainda que boca maldita queira beijar-te,
Estás para sempre submersa
Nessa vida eterna de disparates.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

À Omolara

Quem me dera uma vez ainda,
À noite, sozinho,
Tuas mãos eu tocar.
Beijar-te a face linda,
Deitado em teu ninho,
Amar-te com paixão infinda
Para depois sonhar.

Surge o encanto nas asas noturnas,
São estrelas tão próximas,
Teus olhos tão tristes,
Cuja beleza soturna
Põe meu peito em riste...

Ó linda Omolara,
Se tu visses no mundo
A beleza mais rara,
Seria um segundo
Que não se compara:
A tua fisionomia
Refletida na Lua,
A sublime harmonia
De tua forma nua.

Omolara, que tua Mãe África
Seja abençoada!

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Espelho

Não, não creio em mim,
Tampouco em minha bondade
Estéril, de quem ama desmedidamente
Sem esperar reciprocidade.

É triste, absolutamente triste
Ter quase nada,
Que não é inteiramente nada
Graças aos resquícios de uns amores
Passados, fracassados e familiarizados
Aos dissabores de minha vida ordinária.

Minhas flores possuem espinhos,
Os quais causam chagas
Tentando fazer carícias;
Meu sorriso é tão falso,
Que cultivo uma alegria também estéril
Em detrimento do que meus olhos enxergam.

Desta forma, sou dois – que não eu!
- entrecruzando-se ludicamente, confusamente,
Dando origem a um novo ser – seria um terceiro, meu Deus?
- que não consigo relacionar às minhas características,
Tornando-me ambíguo, paradoxal e fraco.

Não, ninguém vê isto.
E também não há nada que alguém veja
Que me torne mais feliz.
E, ainda que alguém visse, quando vir, realmente,
Seria o que de fato sou ou estas sombras
Que me acompanham? Quem poderá dizê-lo?

Amei, pois, e de tanto amar tornei-me louco,
Tornei-me sombra do que todas quiseram que eu fosse,
Enquanto eu, sem coragem de expor-me, deixei-me que fosse,
Sem ao menos saber o que estava sendo.



Chegando em casa, completamente embriagado, depois de recitar o poema Tabacaria, do Álvaro de Campos - heterônimo do Fernando Pessoa.

domingo, 6 de junho de 2010

Inventário

Decidi: vou me matar.
Deixo, através deste, meu inventário. Não esperem objetos de valores, não os possuo. Trago à luz algumas ideias e pensamentos, cultivados e lapidados nestes dezenove anos. Desculpem-me se minhas palavras parecerem rudes, mas é que neste momento vejo as coisas mais belas, e distingo tudo que é ruim com mais facilidade. Agora, apenas agora, tenho discernimento.
Sobre o que falarei?
Pai, perdoe-me por ter sido um merda, sempre. Sei que não fui um menino amável enquanto eras vivo; desculpe-me pela falta de palavras dóceis. Quando soube de tua morte, minhas lágrimas foram sinceras, tão sinceras quanto estou sendo agora. Pai, eu estou jogando limpo. Nunca choraste de emoção por algo que fiz, mas sempre tiveste orgulho em dizer: “Aquele é o meu filho.” Choro, neste momento, e espero te reencontrar para dizer tudo que não disse antes, mas que tenho vontade agora, para beijar teu rosto e dizer um “eu te amo” puro. Depois de morto, viste-me poeta, devasso e cético. Muitas vezes fui um zero à esquerda. Pai, és meu herói! Não digo, porém, que és meu exemplo. Estaria te insultando se o dissesse.
Mãe, obrigado por me ter acolhido no teu ventre. Talvez ele tenha sido mais agradável do que o mundo aqui fora. Obrigado por me ter acolhido em tua casa que, obviamente, não é minha, nunca foi. Obrigado por me ter dado educação. Sou um merda, eu sei, mas há piores do que eu. Meu boletim escolar, por exemplo, sempre foi bom. Queria te dar um beijo na testa, mas não há mais tempo para isso. Eu vou morrer, mãe!
Irmão, brigamos muito. Mas sempre nos desculpamos. Não sei as tuas, mas as minhas desculpas sempre foram sinceras. Obrigado por ter sido companheiro em alguns momentos agradáveis, os quais eu quis dividir com você, e obrigado por ter me deixado sozinho nos momentos difíceis. Sempre preferi assim. Irmão, outra coisa: afaste-se dessa merda de religião. Ela não te faz alguém melhor, seja inteligente, porra!
Mulheres, vocês são perfeitas! Sempre que algo deu errado nos nossos relacionamentos foi minha culpa, somente minha – bato no peito neste momento. Àquelas que não quiseram nada comigo, digo: não se preocupem, não é por culpa de vocês que vou me matar – seria muita pretensão, aliás! Seriam apenas números, uma ou outra a mais na minha lista. Vejam, agora mesmo, não me lembro dos seus nomes, não me lembro sequer de suas fisionomias, tão indiferentes vocês me são agora. Agradeço àquelas que se entregaram a mim. Tudo o que eu sei sobre sexo, hoje, foram vocês que me ensinaram. Tenho consciência de que também lhes ensinei muitas coisas, tendo, inclusive, certeza de que fui, senão o melhor, um dos melhores homens que vocês já conheceram. Sempre fui ouvinte; nunca admiti que vocês fingissem orgasmo. Nunca ejaculei antes de ver vocês plenamente satisfeitas. Sei que agora vocês devem estar se lembrando e peço: Masturbem-se pensando em mim. Não é pecado masturbar-se pensando num morto, eu autorizo.
Amigos, saio desta vida com uma certeza: vivemos! Fizemos cada minuto valer a pena. Embora eu saiba que vocês não têm influência alguma no que sou hoje, reconheço a importância de todos vocês.
Amigos de Partido, meus camaradas, não desistam da revolução. Tenhamos fé, a Dilma será eleita. Caso o eleito seja o Serra, façam a revolução, não percam tempo. Temos camaradas suficientes para isso. Temos também sede de justiça. Antes que alguém pergunte, não sou do PT. Sou do PCdoB e, para quem não conhece nossa política, o PT e o PCdoB são aliados há anos. Amigos de Partido, por favor, quando vocês chegarem ao poder, estatizem as empresas privadas, distribuam a renda de maneira justa, acabem com a revista Veja e não se esqueçam do lema do Partido: a submissão da minoria à maioria.
Meu Grande Amigo, a ti consagro uma missão especial: publique meu livro. Por favor, não deixe que meu nome se perca. Meu livro não é ruim, já vi piores. É um romance, enfim, você já leu e sabe como gostaria que fosse a capa e tudo o mais. Meu Grande Amigo, obrigado por ter lido minhas poesias e ter me oferecido belas mulheres. Você é foda, irmão! Não chore por mim. Não valho uma lágrima tua. Lembre-se sempre daquela vez, no aeroporto, em que peguei tua irmã, depois que enganamos os seguranças. Dê um beijo na tua irmã. Ela não me é muito importante, por isso não terá um parágrafo neste texto.
Meu Grande Amor, consagro a ti meus sentimentos. Poderia levá-los comigo, mas você os valoriza mais que eu. Portanto, fique com eles. Fique também com meus livros, todos eles, você saberá usá-los. Não preciso dizer onde eles ficam, você bem o sabe. Não preciso dizer também a importância que os mesmos têm para mim, então cuide bem deles. Sei que devo me desculpar por isto que estou prestes a fazer. Mas a nossa história, creio eu, nunca foi para ser vivida na terra, e sim num outro lugar, onde promessas não têm valia e cobranças são desnecessárias. Ame o nosso filho que está para nascer e minta para ele: diga-lhe que seu pai foi bom, foi sublime. Acaso percebas que ele está se tornando parecido comigo, ponha-o de castigo. Eu sei o quanto sofri por ser assim e não quero que um sangue do meu sangue passe pelo mesmo. Meu Grande Amor, esta não é a última vez que digo que te amo. Sempre o farei quando fores deitar, ou quando acordares, ou quando precisares de um ombro amigo. Choro, pela segunda vez, sobre este papel.
Amigos, não sejam tolos, não acreditem em felicidade. Pretendia escrever um livro sobre isso, mas não deu tempo. Felicidade, meus caros, deve ser buscada, e uma vez em que se acreditarem felizes, não mais a buscarão. Por isso, façam como eu: sejam tristes, melancólicos, mas buscando não sê-los. Entenderam? É uma dialética.
Agradeço também aos meus mestres, especialmente meus ex professores de Literatura e Filosofia, que inseriram em mim esse gosto pela leitura. Espero que vocês leiam isto algum dia. E desculpe pela falta de interesse demonstrada em sala de aula. Era só para me fazer de forte perante alguém que admiro.
Por fim, eu digo: façam sexo, usem camisinha. Não passem vontade, isso é uma grande ignorância! Procriem à vontade, o Malthus estava ébrio quando elaborou sua teoria. E saibam educar seus filhos, melhor do que seus pais a vocês.
Vou me matar cortando meu pulso, sempre achei mais romântico do que um tiro, ou pular do alto de uma ponte.

domingo, 30 de maio de 2010

Quero

Não quero apenas tua alma,
Mas também tua genitália
Aberta à nossa tentação;
Não quero apenas palavras,
Quero carícias; sentir o contato
Do teu corpo na minha mão
Sequiosa.

Quero ósculos e amplexos,
Mas que haja cópula!
Quero carinhos complexos,
Quero tua língua brincando comigo;
Quero-te toda, o umbigo,
Tuas pernas, meu abrigo.

Quero que o leito
Seja tu,
Para que te deites no meu peito
Com o corpo admiravelmente nu.

Quero idealizar-te num poema
Lúbrico e sem rimas,
Para que suas palavras sejam análogas
Aos sussurros que se perdem pela madrugada,
Inconfundível para os amantes.

Quero isto: meu corpo dentro do teu,
Tua alma ligada à minha;
Ser teu eterno plebeu;
E tu minha perpétua rainha.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

O amante da sombra

Venturoso o ser que pode ver
Nos olhos da amada o azul do céu;
E contemplar, cismando, por cima do seu véu,
A flor que germina ao amanhecer.

Senão que se morra de amor,
Que fim teria um mancebo apaixonado?
Reflito e digo-me: este é o teu fado:
Morrer... Por ser um pobre sonhador?

E, quando sozinho em meu leito,
Meu olhar paira na Lua,
Vejo uma forma de mulher nua
Que se abriga em meu peito.

Portanto, amo a metafísica
Do espectro ilusionista:
A alma que se põe de antagonista
Da minha idealista.

sábado, 15 de maio de 2010

Versos confessionários

Cada passo é um passo para trás,
Ao passo que deixo para trás
O que de trás me persegue,
Obstinadamente, atrás do que está atrás,
A largos passos para trás.
Eu sou um merda.

sábado, 1 de maio de 2010

Eutanásia

Do sono das almas insones e desabrigadas
Que vagam pelo abismo,
Rumo às trevas e ao nada,
Irei desfrutar.
Alimentado pelo ceticismo
De uma vida desregrada
Que há de acabar.

Um amor malfazejo,
Sentimento em putrefação,
Que mancha o próprio beijo
E escarnece da paixão...
Maldito sejas tu, amor que mata
Um peito vivente,
E que feres contente
Minha doce ilusão.

Ó relvas, que bálsamo em meu peito
Sois capazes de proporcionar!
Com todo este sofrimento que me devora,
Sozinho em meu leito
Espero a aurora
Sem acordar.

Cartinha: eis o motivo pelo qual meu sofrimento me mata, aos poucos

Nem sempre estarei aqui para o que precisares, mas, quando isso acontecer, a culpa será única e exclusivamente minha; nem sempre serei um rapaz feliz, mas, quando sentir meu peito aquecer-se, tenha certeza de que a responsável por isso serás tu; nem sempre serei eu mesmo, na tentativa louca de mergulhar-me em ti e acabar sendo completamente envolvido: em tais momentos, viverei para ti, viverei em ti; nem sempre serei amável, mas sempre serei amante; nem sempre serei paciente, mas serei ouvinte; nem sempre viverei, e, quando morrer, purificarei minha alma para chegar ao paraíso ao qual tu aspiras; nem sempre serei bondoso, mas minhas maldades serão perdoadas por ti, pois sei que és o extremo da bondade, colocada em minha vida a fim de tornar-me alguém melhor; nem sempre conseguirás, mas será por falta de esforço de minha parte; nem sempre serei forte, para sentir-te fortalecendo-me com esse sorriso que me alimenta a alma; nem sempre te falarei coisas bonitas, mas será porque estarei distraído, absorto, em teu olhar; nem sempre o perceberei, mas será porque estarei ouvindo-te suspirar; nem sempre o ouvirei, mas será porque estarei sonhando contigo; nem sempre sonharei, mas será porque estarei tendo algum pesadelo, no qual tu me abandonarias, cansada dos meus erros; nem sempre errarei, mas meus acertos cairão todos em tua conta; nem sempre te elevarei, mas sempre me rebaixarei por isso; nem sempre me mostrarei, pois adoro quando levantas a sobrancelha esquerda, com ar pensativo, para desvendar-me; para sempre te amarei.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Ventre

Creio que não tenho mais que dois meses de vida. Entrevado, deitado nesta cama, as mãos descarnadas, a face lívida, o conjunto irreconhecível; os pés imóveis, a memória incompleta, graças à amnésia. Talvez eu já tenha morrido, mas como nunca fui crente, esta ilusão de vida seja uma pilhéria de Deus e de todos os santos, que zombam do meu corpo meio morto. Vingança de Deus.
Tudo me parece possível. Esta pode ser a provação pela qual eu tenha que passar para tornar-me um ente divino. Não! Chega de conjecturas! Não tenho tempo para isso, seria mais sensato recordar toda a minha vida, antecipando o julgamento do bom Deus, meu Deus que nunca me faltou, que nunca me encontrou, meu bom Deus que colore meu destino fatal com cores de ilusão; meu Deus, meu carrasco em pele de salvador! Agora creio nisso. Mas como? Minhas lembranças resumem-se à vida nesta cama. Não sei por quanto tempo dormi, e não lembro de nada do que precedeu esse sono. Agora estou acordado; sinto falta de cigarros e bebidas, de jogos e mulheres.
Olho ao redor. Há, neste quarto, algumas imagens de santas, porém tão decrépitas que suponho uma aparição de satã diante delas, por isso suas fisionomias assustadas. Não, elas não estão pálidas; estão envelhecidas.
Não há um enfermeiro, um camarada para contar-me as novidades; algo sobre suas filhas, ou os detalhes do fatídico dia em que encontrara sua esposa dormindo com outro rapaz, uns dez anos mais novo – depois de ter ficado um bom tempo acordada com ele, mostrando-lhe o que escondia do marido.
Há uma porta neste quarto. Ninguém entra por ela, apenas o ar gélido que maltrata meu corpo inválido; ora se atenua, ora se dissipa. “Tirem-me daqui!” Esforço inútil. Minha voz parece um estertor. Quando a escuto através do eco, percebo seu som fúnebre. “Tirem-me daqui!” É o eco, outra vez, para lembrar-me de que estou só – ou seria outro enfermo, no quarto ao lado?
As lembranças vêm e vão, exatamente como eram antes de serem chamadas assim. Nenhuma consegue fixar-se, todas são amorfas; não me proporcionam noção de tempo e espaço. Seria eu personagem único de minha própria vida?
Sou um pobre-diabo e em breve serei um insepulto. Será que os vermes conseguirão subir nesta cama, comendo, dessa forma, meu corpo morto? Pobres vermes! Membros inválidos causam ainda mais fome.
Meu nascimento é comparado ao anátema mais tenebroso da terra. Não sei por que, ou melhor, eu sei, mas não me lembro.
Cessem as reflexões! Começo, neste momento, a lembrar-me de algo: Uma mulher – quem será?! Uma fumaça. Passou. Alucinações, vertigens; começo a suar. “Tirem-me daqui! Tragam-me cigarros!” O desejo de fumar resseca-me a garganta. E quando eu sentir sede? Prevejo mais sofrimentos. Se fosse fácil morrer...
Momentos de solidão extrema remetem ao túmulo recentemente ocupado: tudo é lembrança; momentos de solidão e amnésia remetem ao túmulo vazio: ausência, vacância. E qual seria o significado de ausência? Estado no qual algo se encontra sem tempos idos ou vindouros. Não! Isso já é alguma coisa. Ausência não possui definição; possui apenas exemplo: eu.
Que direito o homem tem sobre si mesmo? Às vezes ele se sente coagido a tomar alguma atitude, seguindo padrões alheios, aleatórios e obscuros. Mas qual o critério? Cadê a liberdade? Ser livre, para mim, agora, seria locomover-me, levantar-me e partir daqui, sem deixar vestígios, sem possuir lembranças de um hospital sem enfermeiros.
Ocupo o tempo que me resta nessas reflexões. Não consigo mais adormecer; meu sono diário evade-se, sentindo o eterno aproximar-se.
Há momentos nos quais o sono assemelha-se ao despertar...
Tenho medo de aranhas, mas desejaria agora sentir uma subindo pelas minhas pernas. Todavia, não a sinto. Se, de fato, ela estiver aqui, irei senti-la apenas quando atingir meus membros superiores, meu rosto. Mas já é tarde. Não há. Ou melhor, há, mas não há sensibilidade. Nunca uma aranha me pareceu tão necessária. “Tragam-me cigarros e aracnídeos!” Se possuísse um reino agora, trocá-lo-ia por uma aranha.
Paula: Esse nome vem-me a cabeça aleatória e espontaneamente, parece querer transpor as barreiras de minha severa amnésia. Sinto-me excitado, estou curado! “Tragam-me cigarros, preservativos e encontrem ao relento uma mulher chamada Paula!”
Ninguém me ouve. Sinto-me vítima de um engodo, criado pelo meu próprio desejo sexual frustrado. Quem seria a Paula?
Sinto raiva de mim; minha loucura deixa-me furioso. Se pudesse andar, lançar-me-ia contra um veículo a toda velocidade, tomando cuidado para não lesionar a cabeça, para lembrar-me de como fiquei nesta condição.
Meus olhos correm avidamente pelo meu círculo de visão. Já conheço todos os detalhes deste quarto: as saliências nas paredes, as arestas que se encontram com dificuldade; a poeira acumulada, incapaz de propagar-se por entre os móveis, que não existem. Nada existe, aliás. As paredes são apenas limites de minha visão. Sei, porém, que há um infinito além delas. Ou, talvez, vários.
Penso: Fui seqüestrado! Aterrorizo-me com essa ideia. Invadiram minha casa quando minha esposa estava no trabalho e meu filho, provavelmente, na escola. Eu entraria mais tarde no emprego, estava fazendo a barba tranquilamente, quando quatro sujeitos me imobilizaram e me levaram, entre socos, pontapés e insultos. Ligaram para minha casa, pedindo o resgate, um preço muito além do que mereço, certamente, e minha esposa, desesperada, gritou. Gritou tanto que meu filho também começou a gritar; os cachorros, assustados, começaram a latir. Em um quarto de hora, toda a vizinhança gritava; todos os cachorros latiam; as flores dobravam-se; o mar agitava-se; todos gritavam. A polícia recebeu o alerta e três policiais foram averiguar. Descobriram que o epicentro da gritaria era na minha casa e minha esposa disse-lhes: “Meu marido foi seqüestrado.” A polícia, sem pistas, não sabia onde eu estava alojado, os bandidos irritaram-se com a demora do pagamento e tentaram matar-me. “Ele está numa situação pior do que a nossa. Façamos uma caridade: matemos esse pobre rapaz.” Infelizmente, não conseguiram.
Não é nada disso, mas o ócio permite-me criar histórias inverossímeis.
Ouço rumores longínquos. Uma agitação urbana parece apossar-se de uma câmara vizinha à qual estou hospedado. Falam alto, malditos. Acabaram com meu sossego. Externo, obviamente. Meu interior encontra-se tal qual uma embarcação à deriva, sem tripulantes. Tiram-me a tranquilidade e não podem devolver-me os movimentos. Malditos! Uma mulher grita, com o pouco de força que lhe resta. Grito também. Se eu posso ouvi-los, eles também devem ouvir-me. Mas quem disse que o mundo é justo?
Os rumores não cessam, penso ser minha mulher lutando contra os bandidos que não me sequestraram. A balbúrdia aumenta.
Em meio à confusão, distingo perfeitamente uma voz divina, celeste, inefável, que me diz:
-Número setecentos e onze, é chegada a hora de concretizar tua metempsicose.
É Deus.
Estou reencarnado, não sou mais um feto imobilizado pelo órgão materno que julgava ser um quarto apertado.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Carpe Noctum

Na fronte que abunda
Suor e lágrimas amalgamados,
Em beleza e arte profundas
E num beijo é eternizado
O momento fugaz do amor,
Há, sobretudo, a marca de um fado
Abandonado pelo temor...

No zênite de um céu cinéreo
Paira a Lua majestosa,
Transbordando os mistérios
De uma noite vaporosa
(São as nuvens e o vento)...
Ósculos infindos transformam em matéria
O amor... Lascívia... Vida - a cotovia que voou.
Assim, exorcizam o sofrimento
Pelo qual a vida chorou.

Quando um peito fumegante
Pousa sobre outro que arqueja
E um suspiro exala do amante
Que, convulso, não mais se peja
Do amor que lhe transborda,
Fundem-se a alma - que lhe beija,
E o coração - que acorda.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Uma vela que se apaga (No seio de uma dama)

Minha alma não mais me pertence:
Voou como o pequenino pássaro da seara,
E, predestinada, partiu,
À procura do primeiro olhar que a penetrara.

Meu amado olhou-me através
Do véu da virgindade
Que me cobria.
Partiu! Resta-me a saudade,
Hoje é sempre noite meu dia.

Quebrou-se-me o peito,
Antes tão austero e seguro;
Hoje não mais que um seio de donzela
Que cai em perjuro!

Amar... Amar e não ser acolhida
No peito de quem se ama!
Oh! Sinto que minha vida esgota-se:
Extenua-se a chama.

sexta-feira, 26 de março de 2010

O ininteligível do amor

Sentado diante de um colégio, via os pequenos correndo, brincando, indiferentes à dor que eu sentia. Será que ainda teria tempo para viver aquele amor tão intenso? Levantei-me, pus-me a andar pelas ruas onde outrora passei ao lado dela, com seus risos provocantes, e minha visão turvou-se, numa busca insana por um sinal que me conduzisse aonde ela estaria.
Os transeuntes não podiam perceber o sofrimento que exalava de meu peito e se esvaía no ar, seguido de um outro, pelo mesmo motivo do primeiro: a certeza do amor recíproco que teme fracassos vindouros.
Sentia frio; nada havia no céu, senão uma nuvem negra que pairava sobre mim. Meu itinerário era esquecido; troquei-o pela aventura de andar só, pela desventura de peregrinar num invólucro invisível: Trevas.
Quando acordei do torpor, estava parado, outra vez, defronte ao colégio; não pude me certificar se andara por todas aquelas ruas, de fato, ou se tudo fora apenas meu pensamento, percorrendo os labirintos de um passado ditoso.
Alguém me espreitava; algum fracassado, como eu, identificava-se comigo, via-me como espelho de suas dores, ou um ser feliz desdenhava do meu penar solitário, tentando chorar no próprio ombro, que não suportava o peso da culpa e caía junto ao meio-fio.
Levantei-me, e para certificar-me de que estava realmente de pé, balancei violentamente a cabeça, de maneira tal que fui obrigado a esforçar-me para não cair novamente. Andei e encontrei-me numa praia que não conhecia, mas que já havia imaginado num momento oportuno, grande ilusão. O sol, porém, negou-me o sorriso e fracassei. Ignorei, pois, a bela vista e tomei o caminho contrário. Voltei. Cheguei a minha casa, trôpego, não pela bebida, mas pelo grito sufocante preso na garganta. Focalizei bem o canto onde demos o primeiro beijo, seguido de outro e outro e mais outro que era seguido por outro.
Nesse ínterim, lembrei dos amores corruptos que se deitaram à minha cama, desbotando minha história com meu grande amor; eu também a via com outros homens, que, naturalmente, não a mereciam como eu. Assim pensávamos, e, finalmente, encontrávamos um ombro para chorar as lágrimas que poderiam ser facilmente extintas, caso o orgulho não entrasse em conflito com o amor. Ambos sabíamos, e esta dor atroz me destruía. Por que ser apenas amigos, se a plenitude do amor permitia a cumplicidade que, naquele momento, era nossa grande adversária?
Se eu não a amasse, levantar-me-ia da cama e falar-lhe-ia mentiras, com a finalidade de beijá-la, ainda uma vez, para sentir-me pleno de seus lábios úmidos e encantados; lábios cálidos, que eu era capaz de reconhecer entre tantos outros.
Acendi um cigarro e a fumaça bailava diante de mim, como ela fazia, semi-nua, com um sorriso desenhado na fronte mais bela que meu olhar já tocou; não obstante, ameaçava-me com o seu penetrante, que logo me cobria de desejo.
A fumaça do cigarro esmorecia; tentei prende-la entre os dedos frios, mas ela escapou-me. Minhas pálpebras cerraram-se, e quando eu ia adormecer, senti um vulto aproximando-se, abri os olhos e murmurei:
-Adriana.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Monólogo

O Medo:
Sou irmão da Covardia,
Mas isto é segredo;
Posso casar-me com a Ousadia,
Chamo-me Medo.

Aprisiono, enclausuro
E sou rejeitado por poetas;
Sempre contraditórios e obscuros,
Mas deixam-me as portas abertas.


Poeta:
Maldito és,
Medo desgraçado!
Sob meus pés
Terás o pescoço esmagado!

Sou poeta e declamo
À noite para as senhoras;
A cada uma delas eu amo,
E tu, que fazes esta hora?

O Medo:
Salvo vidas como a tua.
Tão jovem, poeta, cuidado!
Também eu admiro a lua,
Porém não sonho sentar-me ao seu lado.

Poeta:
Nunca, portanto, serás pleno!
Pois quem não é audaz
Eternamente será pequeno!
Voar é o que me apraz!

O Medo:
Não me esconjures! Não vês?
Estou sempre contigo.
Deus ajudei no que fez
E sou também teu amigo.

Poeta:
Mão como a tua não desejo,
Pois movimentar-me não poderei.
Aproveito o ensejo,
Quero ser rei!

O Medo:
Aquele que impera
Tão invejado é!
Mas é doce a tua quimera,
Reis em mim depositam fé.

Poeta:
Fé não possuo em meu coração,
Mas pelos deuses tenho respeito.
Não faço uma oração,
Elas não me tocam o peito.

O Medo:
Diz, poeta, não temes
Que tuas palavras cheguem ao fim?
Vejo que tremes,
Tens medo igual a mim!

Poeta:
Para provar-te que não,
Te escreverei um epigrama:
Tua moderação
Não deita na tua cama!

sábado, 13 de março de 2010

Renúncia

Jaz em seio noturno
O sol da vida.
Pudera um ser taciturno
Gozar a felicidade na fronte querida?

Se me for dado
O privilégio de beber as águas do Letes,
Já que um ser desgraçado, frustrado,
Jamais encontra alma que o complete,
Estarei redimido,
Pois da vida sou descrido!

Oh, Érebo, tu que és o verdadeiro criador!
Tuas trevas rodeiam-me, turvam-me a visão;
Trovas calam-se, perdem-se na escuridão;
E morro tal qual o amor!

Será o féretro macio?
Troco, neste momento,
Desta vida o vazio
Pelo cobiçado perecimento.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Ditoso Amante

Às horas vespertinas,
Quando o sol começa a se desmaiar,
Tu te fazes divina,
Beleza que faz sonhar!
Amar-te é uma sina
Quem em meu peito faz-se brotar
Um jardim composto por flores
Belas e primaveris, que se abrem em amores.

Glorioso viver em meu peito inflama
Qual brasa de um encanto celestial;
Nestes campos o amor em chamas
Nas mãos de cetim; na boca jovial!
Eis que meu coração proclama
A lei do amor universal:
Amai, e sereis recompensados
Vós que, amando, não conhecestes o pecado!

Ouço o epitalâmio das aves do prazer
Reverberar em meu coração;
Meu peito, intumescido, não pode conter
Este ímpeto que pulsa de emoção...
Quantos ais proferi sem que pudesses ver
Nos meus olhos a dor da solidão!
Oh! Que deleite causa-me na essência
A luz dos teus olhos – doce e vaga reminiscência.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Afrodite

Os lábios, convulsos,
Querem beber a vida em beijos
Nos lábios teus.
Movidos por impulso,
Lançar-te ao adejo,
Entregue aos desejos
De um venturoso himeneu!

Os eflúvios do lírio
Ao orvalhar da madrugada
São gotas de delírio
Que borrifo em minha amada.
Oh! Desvario:
Dormir na alvorada
Com os olhos ainda derramando
Lascívia da noite acabada!

Tu me viste ao relento,
Roto e macilento,
Caminhando sem porvir.
Entregaste-me o coração,
Ainda frio e sonolento,
Contudo com ânsia de sorrir.

Alma pura,
Que nunca sentira o ressaibo da saudade;
Que nunca secara as lágrimas
Por causa de um forasteiro...
Embala-te aos braços da saciedade,
Aos alentos da mocidade
Deste amor verdadeiro!

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Desabafo

É muito querer e pouco ter. Mas não é apenas querer ter; é querer ser e não conseguir ser. Isso é ainda mais doloroso. Pois quando se deseja ter algo, pode ser alguma coisa absurda. Desde um livro até uma ilha; de uma puta até um amor. Mas quando se quer ser algo, geralmente, este algo é simples. Básico, talvez. E não conseguir ser, descubro agora, é uma frustração.
A arma mais devastadora de corações é a indiferença. Mesmo cercado de pessoas, de todos os tipos, sinto-me só. Percebo que muitas destas que me rodeiam não me acrescentam nada; nem me tiram coisa alguma.
O fato é: Não sei a razão pela qual minha vida se cruza com outras; não sei o motivo pelo qual se abrigam em mim, nos meus beijos. Afundo-me na própria solidão. Sou apenas mais um na multidão atordoada. E o pior: Eu sou o mais atordoado. Pior: Estou no caminho contrário. Este estar-no-mundo me faz mal.
Como alguém pode ser frio com outrem? Como pode falar sem olhar nos olhos? Vaidade! Hipocrisia! Vejo almas vazias.
Viver não é estar vivo. Viver é enxergar: enxergar o que se sente, o que se ouve; é enxergar-se. É sentir o que se enxerga. E as pessoas cegas? Não digo cegas dos olhos, mas cegas da alma.
Relacionamentos feitos em cima de promessas jamais darão certo! Cumplicidade de menos e demasiadas cobranças. Estou extenuado. Mas ainda sinto dor.
Os momentos agradáveis foram todos dispensáveis. Se eu não tivesse amado, meu coração não se sentiria falto, posto que fosse frio. E a única coisa irreversível é a frialdade. E, talvez, a morte. Justamente, um cadáver é gelado.
É a folha seca que cai da árvore, sempre no mesmo lugar. Serve de quê?!
Preciso de segunda chance, mas sei que a terceira será necessária em pouco tempo. E perdoar engendra uma sensação de superioridade; esquecer é servidão. Assim, um simples aprendizado transforma-se em competição. Não se pode partilhar. Isto me dói.
Caralho! É tão difícil ser companheiro?
Não sei que esperança pulsa neste peito. Mas ainda há pessoas boas.
Também sou culpado, mas alego impotência. Sou fraco. Ouço vozes que destilam venenos, e por isso me calo. Eu minto para mim, mas quero ser a fênix. O sol brilha acima de minha cabeça, porém ao lado dele há os arrogantes.
A eternidade não me agrada, pois ela é indiferente ao tempo. E tempo é permissão. E o infinito não me agrada, pois ele é indiferente ao espaço. E espaço é possibilidade.
Hoje sei que há gritos calados. Sei, também, que há prantos extremamente secos. E que estes não possuem valia. O silêncio é uma forma de conversar...
Cresci. Atualmente, sou capaz de perdoar uma traição. Percebi que algumas são sinceras, principalmente para seus autores. Quando muito, para todos.
Há confusão entre sinceridade e oportunidade, entre verdade e oportunidade. Sou acometido por novas dores velhas. Sinto-me ruído; arruinado.
Sou vulnerável. Possuo um coração passional e não consigo caminhar sobre abismos. Não fui capaz de manter-me de pé, quando o caminho se estreitava. Tentei apoiar-me em algo, mas no escuro não distingui a mão que me segurava. Nem a que me estrangulava.

sábado, 30 de janeiro de 2010

Quando

Quando pousas tuas mãos
Neste peito que pulsa de amor,
Sentes nelas o tremor
Que reforça a pulsação?

Quando recolho tua face fria
Junto ao meu peito arfante
E sinto em teus olhos cintilantes
A lágrima do amor que se anuncia...
Não sentes meu afã
Rogando-te um amanhã?

Quando repouso meu olhar
No teu coração...
Quantas sombras se vão!
Como é doce ver-te caminhar!

És capaz de matar um mancebo
Que te fita os olhos pela primeira vez.
E, vidrado em tua tez,
Desvaira, sonha, morre de languidez!

Embalde reprimo os sonhos
Que me trazem uma visão:
Estás à beira da morte, acima da perfeição
E me acenas com um sorriso triste e medonho!

Oh, amada! Oh, moribunda!
Descansas agora a vida
Sob minhas palavras sofridas
Em solidão profunda!

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Noite insana

Por quem suspiras,
Virgem dos lábios de mel?
Tão forte respiras,
Mais alto que a lua no céu!

Se, febril, o teu peito arqueja,
Por amor o meu se desvanece...
Se os meus lábios tua boca beija
Meu olhar de moribundo se aquece.

Oh! Ainda há uma esperança
Nos sonhos deste amor:
Fazer valer uma lembrança
Da mocidade, ainda pura, do pecador!

Que na fronte de minha amada
Eu possa sorver-lhe a última gota de lágrima!
E suspirar, gemendo e chorando,
Na ventura das lágrimas trocadas!

Como o céu é lindo!
E a lua parece nos guiar
- sorrindo!
Com seu pálido brilho a nos acalentar.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Intrínsecos

Quando aos olhos de uma vida sofrida
Um momento é necessário,
Evoca-se a Morte, para que um infortúnio
Não o apague do imaginário...

Vinha com o corpo macilento,
Jorrava seus desalentos
E apoderava-se do meu leito ermo
Sem ouvir o meu grito calado!
Cabelos ao vento,
Sentimentos alados,
Meu peito sedento
Por teu seio suado!

Ó, estrela da juventude!
Colecionas virtudes,
Que tua mente ubíqua
Com a lua oblíqua
Desvendam em meu âmago
Todos os segredos!...

Não tenhas medo,
Não te esqueças de mim!
Eu sei que é cedo,
Mas é nosso fim.
Vá! Casa-te com minha alma!
Agora que a eternidade
Apresenta-se diante de nós...
Fiquemos a sós!

Que o derradeiro suspiro de um homem honrado
Seja causado por amor!
E que a esperança possa sorrir
Ao contemplar teu alvor!
Que esta alma possa usufruir
Os benefícios que a tua, ó bela,
Há de me conceder,
Quando nossa morte, enfim, alvorecer.