quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Sono Profundo

Pensamentos vadios afligem-me nesta manhã cinzenta:
Hoje não há sol... Nem chuva;
Esmorece-se a visão turva
Quando o sono calmo me esquenta.

Melhor seria se me fingisse de morto.
Deixar-me-ia enterrar, seria canonizado.
Embriagado, sou sempre crucificado.
Dar-me-iam um sapato novo - este meu está roto.

Amanhã hei de acordar
Com alguém pra me fazer companhia;
Ser meu amigo, ao menos por um dia.
Ah, solidão, quem irá me acompanhar?

Aguardo a morte,
Escarneço da vida.
Pois nasci com a idéia pré-concebida
De que não sou forte.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

A Crônica, o Medo e um mistério

Não se sabe quem mandou a correspondência. De onde veio, os motivos. Ninguém sabe dizê-los. A verdade é que até hoje quase ninguém sequer soube o que aconteceu naquela manhã de verão.
No dia seguinte, o que chegou foi, no mínimo, algo inusitado: uma pasta vazia e um revólver sem munição. A cólera tomou conta de Sebastião, que resolveu passar uma semana inteira sem abrir a caixa de correios. Aconselhou Silvana, a mulher, a não atender a telefonema algum. Não quis falar o motivo do pânico pra ninguém, apenas para seu cão, o Astulfo. A casa vivia agora fechada, repelindo qualquer vestígio de luz. Silvana buscava uma aproximação, mas qualquer tentativa era vã diante da languidez demonstrada na face de seu grande amor. Era terrível para ela vê-lo afundando sem nada poder fazer. Sebastião parecia inebriado. Não sentia fome nem frio, apenas medo. Muito medo. A lúgubre presença do marido fazia mal a Silvana. Sebastião sofria sem saber, numa constante evasão do que não era concreto.
Silvana rezava para que Deus tivesse misericórdia do marido e o curasse, seja lá do que fosse. Ou, se fosse o caso, levasse-o de vez. Talvez uma prece muito impiedosa, mas na hora do desespero é impossível manter a moderação. Enquanto isso, Sebastião mergulhava cada vez mais fundo em sua solidão, impassível de dor ou de qualquer outra coisa. Às vezes, resmungava, praguejava contra a própria sorte. E só.
Os dias passavam, mas a semana não acabava; Silvana sentia-se aflita por não poder abrir a casa e muito menos a caixa de correios. Se ao menos soubesse o que se passava no coração do marido, mas o gelo não a deixava aproximar-se de quem antes era tudo em sua vida. O pouco que Sebastião comeu nesses dias foi graças à Silvana, que o fazia comer à força, literalmente.
Nesse tempo, Sebastião emagreceu quinze quilos e a tendência era piorar. Uma catástrofe era iminente, uma vez que o beco do medo não tem saída e é deveras escuro.
Na madrugada do último dia de clausura, Silvana encontrou Sebastião completamente paralisado, “mais morto” do que nunca. Checou a respiração e logo veio a elementar constatação: Sebastião sucumbiu ao seu próprio medo, extenuou-se sem dizer uma palavra de misericórdia ou uma última jura de amor.
Silvana pôs-se a chorar, mexendo nas coisas do marido, procurando uns documentos para o funeral. Encontrou uma caixa devidamente lacrada com a seguinte ordem: “Só abrir depois de morto. Sebastião.” Apressada, Silvana a abriu e teve certeza de que o mistério estava prestes a ser desvendado. Triste engano. Encontrou um pergaminho dobrado escrito o seguinte: “Tua vida sofrerá uma mudança radical. Prepare-se!” Além disso, encontrou uma arma descarregada e uma pasta empoeirada. O mistério acentuou-se.
Seria esse o motivo da morte? Mas que mudança seria esta? Quem mandou a carta? Por Deus, quanta perversidade! Besteira, talvez fosse apenas uma brincadeira inocente. Fatal. Entretanto, inocente.
-Deus, misericórdia! Tenha piedade deste homem bondoso que foi meu marido.
Como disse, ninguém sabe dizer o que gerou a morte, senão o Astulfo. Mas ele não sabe dizer nada... É apenas um insigne ouvinte.
O que me assusta é ver que as pessoas têm medo de seus medos. Assumi-los é uma forma de encará-los...