sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Extremo

Este amor que me consome
Levar-me-á ao túmulo:
Meu coração que sente fome
Não terá mais um crepúsculo.

Oh! Uma memória! Quão reduzido torna-se o homem
Quando não é capaz de segurar o ímpeto
Do amor dum anjo que não lhe olha;
Que não lhe toca!

Consagrado és tu, amor que chegas ao limite comigo;
Ao limite da vida que escorre;
Que morre!
Dize, coração: “Sou mesmo teu amigo!”

Um bálsamo, oh, um bálsamo!
Qual consolo tem um desvalido
Que vê o derradeiro sorriso nos lábios de uma santa?
Que vê no céu uma nuvem negra que paira sobre si
E sente em sua fronte uma torrente de lágrimas?!

O mártir do amor eu serei!
Agora que a eutanásia considera-me um rei
Posso ir em paz – sem paz!
Adeus, vida! Não te desejo mais!

Se ao menos pudesses cantar-me uma nênia;
Terminaria honrada a minha existência;
Como último suspiro a palavra que balbucio com ardor:
Morro por ti, morro de amor.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Iniquitatis Via

Ó, coração, por que me tentas desta maneira cruel?
Se ao tálamo deitas-te só;
Se na alcova a virgem renuncia-me sem dó,
A vida banha-se no fel.

Ó, coração, que por duras penas esmoreces-te
Sem a inocência do amor feminino;
Com o júbilo genuíno
Que a solidão me remete.

Ó, coração, que serves de jazigo de minhas dores
E desenhas tu uma santa imaculada:
É o espectro da mulher amada
Que me faz insistir em funestos amores.

Queime, pois, carne maldita!
Eis teu veredicto:
Queimar, sangrar. Morra!
Sou o anjo do pecado.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Sono Profundo

Pensamentos vadios afligem-me nesta manhã cinzenta:
Hoje não há sol... Nem chuva;
Esmorece-se a visão turva
Quando o sono calmo me esquenta.

Melhor seria se me fingisse de morto.
Deixar-me-ia enterrar, seria canonizado.
Embriagado, sou sempre crucificado.
Dar-me-iam um sapato novo - este meu está roto.

Amanhã hei de acordar
Com alguém pra me fazer companhia;
Ser meu amigo, ao menos por um dia.
Ah, solidão, quem irá me acompanhar?

Aguardo a morte,
Escarneço da vida.
Pois nasci com a idéia pré-concebida
De que não sou forte.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

A Crônica, o Medo e um mistério

Não se sabe quem mandou a correspondência. De onde veio, os motivos. Ninguém sabe dizê-los. A verdade é que até hoje quase ninguém sequer soube o que aconteceu naquela manhã de verão.
No dia seguinte, o que chegou foi, no mínimo, algo inusitado: uma pasta vazia e um revólver sem munição. A cólera tomou conta de Sebastião, que resolveu passar uma semana inteira sem abrir a caixa de correios. Aconselhou Silvana, a mulher, a não atender a telefonema algum. Não quis falar o motivo do pânico pra ninguém, apenas para seu cão, o Astulfo. A casa vivia agora fechada, repelindo qualquer vestígio de luz. Silvana buscava uma aproximação, mas qualquer tentativa era vã diante da languidez demonstrada na face de seu grande amor. Era terrível para ela vê-lo afundando sem nada poder fazer. Sebastião parecia inebriado. Não sentia fome nem frio, apenas medo. Muito medo. A lúgubre presença do marido fazia mal a Silvana. Sebastião sofria sem saber, numa constante evasão do que não era concreto.
Silvana rezava para que Deus tivesse misericórdia do marido e o curasse, seja lá do que fosse. Ou, se fosse o caso, levasse-o de vez. Talvez uma prece muito impiedosa, mas na hora do desespero é impossível manter a moderação. Enquanto isso, Sebastião mergulhava cada vez mais fundo em sua solidão, impassível de dor ou de qualquer outra coisa. Às vezes, resmungava, praguejava contra a própria sorte. E só.
Os dias passavam, mas a semana não acabava; Silvana sentia-se aflita por não poder abrir a casa e muito menos a caixa de correios. Se ao menos soubesse o que se passava no coração do marido, mas o gelo não a deixava aproximar-se de quem antes era tudo em sua vida. O pouco que Sebastião comeu nesses dias foi graças à Silvana, que o fazia comer à força, literalmente.
Nesse tempo, Sebastião emagreceu quinze quilos e a tendência era piorar. Uma catástrofe era iminente, uma vez que o beco do medo não tem saída e é deveras escuro.
Na madrugada do último dia de clausura, Silvana encontrou Sebastião completamente paralisado, “mais morto” do que nunca. Checou a respiração e logo veio a elementar constatação: Sebastião sucumbiu ao seu próprio medo, extenuou-se sem dizer uma palavra de misericórdia ou uma última jura de amor.
Silvana pôs-se a chorar, mexendo nas coisas do marido, procurando uns documentos para o funeral. Encontrou uma caixa devidamente lacrada com a seguinte ordem: “Só abrir depois de morto. Sebastião.” Apressada, Silvana a abriu e teve certeza de que o mistério estava prestes a ser desvendado. Triste engano. Encontrou um pergaminho dobrado escrito o seguinte: “Tua vida sofrerá uma mudança radical. Prepare-se!” Além disso, encontrou uma arma descarregada e uma pasta empoeirada. O mistério acentuou-se.
Seria esse o motivo da morte? Mas que mudança seria esta? Quem mandou a carta? Por Deus, quanta perversidade! Besteira, talvez fosse apenas uma brincadeira inocente. Fatal. Entretanto, inocente.
-Deus, misericórdia! Tenha piedade deste homem bondoso que foi meu marido.
Como disse, ninguém sabe dizer o que gerou a morte, senão o Astulfo. Mas ele não sabe dizer nada... É apenas um insigne ouvinte.
O que me assusta é ver que as pessoas têm medo de seus medos. Assumi-los é uma forma de encará-los...

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Penitência

Cansei de te ver sorrindo desse jeito,
Querendo derramar sobre meu peito
O copo da ingratidão.
Tu já não pensas direito,
Não tiraste proveito
De minha terna paixão.
Tornei-me perfeito
Em cima dos teus defeitos;
Minhas lágrimas inundaram este chão.
Homicida de um amor,
Provocaste a dor,
Não me poupaste da solidão.
Resta aqui um mundo sem cor,
Um pobre trovador
Das quimeras alheias.
Sou mais amor do que sangue;
Corre emoção em minhas veias.

Deixe-me aqui, sozinho em meus devaneios.
Choras agora que vês que o mundo é feio
E que liberdade é a mais sublime utopia!

domingo, 21 de junho de 2009

Um amor que finda

Um amor que finda
Leva consigo a cólera e o desgosto;
Mas há, com efeito,
A espera da vida que lhe acaricia o rosto.

Um amor que finda
Perde-se nos labirintos do vento;
E nos capilares que habitam (ainda),
Esconde-se entre sussurros de lamentos.

Um amor que finda,
Esquecer-se-á jamais.
Nos fins das tardes românticas,
As nuances do pensamento que traz
Um sorriso e tudo que se precisa
No sorriso bastardo da Monalisa.

Um amor que finda
Escurece um quarto da alma;
Um amor que chega
Alvorece, floresce, acalma.

Um amor que finda
Pode ser mesmo um amor.
Ou apenas a muda melodia
Com receio de se expor.

Um amor que finda
Enaltece o brilho do que ainda há de vir.
E deita nos braços da solidão;
Constrói o que há de se refletir.