terça-feira, 21 de maio de 2013

E agora, Drummond?



E agora, Drummond?

Nenhum anjo torto
que vive na luz
veio dizer: volta, Carlos, a ser gauche na vida!

Tua voz não declama,
e tua estátua não conversa,
teu bronze não te protege,
e roubaram teus óculos,
e não podes enxergar,
e agora, Drummond?

Se pudesses sorrir
nas fotografias dos gringos,
se pudesses levantar
para um dedo de prosa e uma dose de pinga,
se pudesses chutar
a pedra do caminho...
mas não podes,
és defunto, Drummond!

A vida acabou,
o povo agonizou,
o povo resistiu,
o povo sorriu,
o povo não leu,
e agora, Drummond?

Se gritasses,
se clamasses,
se reagisses,
eu cavaria os sete palmos
só para te resgatar...
Mas tu não gritas, Drummond!

A terra cobriu,
a vista escureceu,
porque teus ombros
não suportaram o mundo.
E o galo cantou,
mas pra ti era noite,
e todos sabem q não vens,
mas todos sabem que vais,
Drummond, para onde?

segunda-feira, 25 de março de 2013

Luta de classes de palavras



Todas as palavras de um dicionário
Em desuso, imitando a humanidade,
Entraram em tremenda luta de classes.

Os adjetivos, obtusos, verborrágicos,
Fátuos, nada tinham a dizer.
Por isso, sem voz, foram exterminados.

Os substantivos, suporte das coisas,
A princípio eram a classe – de palavras
– dominante. Contribuíam, e muito,
Para a manutenção do status-quo,
Uma vez que, por si só,
Não impulsionavam a revolução.
Sua passividade foi tanta,
Que chegou a se abstratizar.

Seria ideal que os artigos, formas
Presas, reivindicassem sua liberdade,
E se aliassem estrategicamente
Com a classe – de palavras – revolucionária.
Não eram capazes, no entanto,
E quietos em seu canto,
Também viram a história passar.

Os pronomes vacilavam entre
Diversas classes, diversas funções,
E por isso não assumiram o papel
De vanguarda consciente,
Uma vez que não se posicionavam
Firmemente.

Os verbos, que tinham a capacidade
De criar, de transformar, logo se destacaram,
Empunhando armas,
Levando a cabo a revolução.
Numa reunião, o verbo Resistir afirmou:
- Por exemplo: um neologismo
Não se materializa enquanto não
Se realiza a ação de criá-lo. Portanto,
Camaradas, de bandeiras e armas
E punhos erguidos, assumamos
O posto de chefes da revolução!
É preciso transformar!

Então os verbos libertaram sua classe,
E com isso libertaram todas as outras,
Até que esse conceito de classes fosse
Se abolindo.
Queimaram o dicionário,
Proclamando a liberdade e a pluralidade
Da língua: cada palavra em seus
Múltiplos incompletos sentidos.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Amor em iorubá



Teus lábios de iaô,
quando beijam,
têm o som do tambor
que ressoa liberdade.
O teu corpo de iaô
tem doçura, tem sabor,
o efeito de um bori
que traz felicidade.

No passado,
uns lábios de sacrilégio
tocaram meu deus-menino,
deus-profano,
espalhando pecado
em território de amor.

Hoje, no teu corpo ou no atabaque,
com a perícia de um ogan,
batuco, dedilho,
proclamo a liberdade.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Nenhum desatino



Nenhum desatino,
a mão no umbigo,
na iminência de colher
a flor com seu néctar
em líquido branco e espesso.

Nenhum desatino,
o coração manco,
pé direito, tóc,
pé esquerdo, nada se ouve,
mesmo a correr, tóc
e cessou.

Nenhum desatino,
exceto quando a solidão,
do corpo ou da alma,
se faz presente,
infortúnio vencido.

Nenhum desatino,
se o coração repleto,
ou corpo submerso em gozo,
ou ambos, talvez,
expulsam o frio.

Nenhum desatino.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Por fim



Pra você
que consumiu meu amor
em seu fel,
não vou esbravejar vinganças,
tampouco vou clamar
voltas tão tristes.

Porque depois de tanto gozar
e fazer gozar,
dormir de mãos dadas
ou levantar-se, vestir-se
de roupas e das ruas,
em certos casos,
não se nota a diferença.

Provando que não te levo
mais no sexo
e sim na memória barata,
te escrevo este poema
recordando os sabores
das três mulheres da semana passada
nas quais te busquei
pela última vez.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Nada



Sei,
sem no entanto me despedaçar,
que de tua alegria
não concorri com nada além
do que um amor desmesurado,
espraiado,
amor que percorreu quilômetros
e pernas abertas
e não silenciou um só instante.
Quando cansado, redivivo em teu sorriso,
seguiu vivendo, jovem
como a ternura cotidiana.

Sei
que fui nada da tua euforia,
nulo em tua felicidade,
o todo de tua desilusão.

Troca justa, de fato,
e, pés descalços
em dança cativa,
assim viver.